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A Arte de Passear, de Karl Gottlob Schelle

A Arte de Passear

A Arte de Passear é um pequeno tratado escrito pelo filósofo alemão Karl Gottlob Schelle (1777-1825). Mais do que apenas discorrer sobre caminhadas, Schelle faz importantes reflexões sobre como nossa disposição física e mental é influenciada pelos passeios ao ar livre.

Para Schelle, o ser humano participa de dois mundos: o mundo racional e o mundo das necessidades. É interessante — e até mesmo raro — encontrar um filósofo que tenha dedicado boa parte de suas reflexões a este tema, ainda que muitos filósofos tivessem este hábito.

A arte de passear é mais do que apenas se exercitar


Como Schelle explica, os passeios são muito mais do que apenas se movimentar nas áreas públicas, florestas e margens dos rios. Para muitas pessoas é apenas isso, mas para alguém dedicado ao exercício do intelecto, pode ser o momento de descansar a mente de forma descompromissada, fazendo aquilo que o autor chama de apreciação estética do passeio. Um momento de integração com a natureza, leveza e inspiração.

O filósofo alerta que passar muito tempo nas cidades, sem contato com a natureza, é prejudicial tanto ao corpo quanto à mente. Por outro lado, aqueles que se isolam em áreas rurais, florestas e até em suas casas (a quem Schelle chama de “espíritos tenebrosos”) perdem os benefícios do convívio com outras pessoas.

É necessário equilibrar essas coisas para que a mente também se torne equilibrada. Schelle dá grande importância ao movimento do corpo e acredita que, se não nos dedicamos um pouco ao passeio rotineiro, o bom desenvolvimento da razão também fica prejudicado, conforme ele deixa claro na passagem abaixo:

Mas não é somente o bom funcionamento do organismo que depende do movimento do corpo; o bom funcionamento do intelecto repousa também nele, em razão da ação de influências recíprocas entre o corpo e o espírito. Numerosas utopias exageradas dos letrados, numerosas leis editadas desconsiderando o bom senso, talvez tenham sua origem na falta de movimento do corpo. Contudo, mesmo supondo-se que a falta de movimento do corpo e a estada contínua em um ambiente confinado não abafem de imediato o bom senso, elas não deixam de promover um definhamento do espírito, mesmo quando a razão é plenamente utilizada.

Os diferentes tipos de passeios e disposições mentais


a arte de passear

Existem também grandes diferenças entre passear nos locais públicos das grandes cidades, nas florestas e nos campos, pois cada um destes lugares afeta o corpo e a mente de forma diferente. O título de alguns capítulos do livro informam ao leitor a importância que Schelle dá para cada lugar:

  • Influência do passeio solitário em meio à natureza no desenvolvimento do espírito
  • Necessidade de passear regularmente pela natureza e nos passeios públicos
  • Fenômenos da natureza. As estações e os dias
  • Campo, pradaria e floresta
  • Vales
  • Montanhas
  • Passeios públicos nas alamedas

A arte de passear e os grandes filósofos

arte de passear e os filósofos

A argumentação deste pequeno tratado evidencia a delicada interação entre o movimento do corpo e a atividade intelectual. Uma vida sedentária pode prejudicar o bom uso da razão tanto quanto uma vida dedicada excessivamente aos exercícios físicos.

Immanuel Kant, que foi amigo de Schelle, tinha uma rotina quase religiosa de caminhadas. Seu hábito era tão ritualístico e notório na pequena cidade de Königsberg que seus habitantes ajustavam seus relógios baseados nos passeios do filósofo. Coincidência ou não, Kant foi um dos mais importantes filósofos da tradição ocidental, com uma produção intelectual tão impressionante que afetou toda a história da Filosofia.

Arthur Schopenhauer e Friedrich Nietzsche foram dois filósofos que também se dedicavam às caminhadas em locais variados. Boa parte de suas inspirações nasceram desses momentos ao ar livre. Schopenhauer adorava as montanhas enquanto Nietzsche viajava em busca de climas mais amenos, e afirmou que “todos os grandes e verdadeiros pensamentos são concebidos enquanto caminhamos”.

O equilíbrio entre a mente e o corpo


Schelle faz uma análise detalhada não apenas dos vários tipos de passeios, mas também das pessoas que se dedicam excessivamente a uma determinada atividade ao ar livre.

Desde o sujeito superficial e vaidoso que prefere os passeios públicos das cidades até os indivíduos esquisitos que gostam de se isolar. O ideal seria realizar passeios em lugares diferentes de forma equilibrada, como orienta Schelle, para que o nosso corpo se beneficie do exercício e nosso intelecto se torne saudável, criativo e sensato.

AutorAlfredo Carneiro – Graduado em Filosofia e pós-graduado em Filosofia e Existência pela Universidade Católica de Brasília.

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