“Eu não sou ninguém”: poema tibetano

"Eu não sou ninguém" - poema tibetano sobre a identidade

O autor desse poema é Tenzin Wangyal Rinpoche, também conhecido como “Ababa“, um mestre tibetano amplamente respeitado pertencente à antiga tradição Bön, uma das raízes espirituais do Tibete. Nascido em 1961, na Índia, após seus pais escaparem da invasão chinesa ao Tibete, iniciou sua formação monástica ainda criança, estudando com importantes mestres das tradições tibetanas.

Radicado no Ocidente desde os anos 1990, fundou o Instituto Ligmincha, nos Estados Unidos, com o propósito de preservar e compartilhar os ensinamentos da tradição Bön com praticantes de diversas partes do mundo. Além disso, lidera centros de retiro e iniciativas voltadas à aplicação prática da meditação e da consciência na vida cotidiana.

É autor de diversos livros traduzidos para vários idiomas, abordando temas como o Dzogchen (a Grande Perfeição), a ioga tibetana dos sonhos, o sono lúcido e práticas de cura energética. Com uma linguagem clara e acessível, Tenzin Wangyal tem ajudado muitas pessoas a se aproximarem dos ensinamentos tibetanos.

O poema “Eu Não Sou Ninguém”, é uma meditação sobre a natureza da identidade e da presença consciente, inspirada nos ensinamentos do Dzogchen.

Leia o poema logo abaixo ou baixe aqui uma versão bilíngue em português e tibetano.

Eu não sou ninguém

Eu não sou ninguém
Quem é você?
Quem é ele?
Eu não sou ninguém.
Do alvorecer ao crepúsculo
Eu meu, meu, eu tão grande, tão bom, tão
elevado, Infinitamente centrado em mim mesmo.
Tudo isso não sou eu.

Eu não sou ninguém.
Eu sou livre de todo eu,
Além de todas as coisas.
Você me conhece?

Eu não sou ninguém.
Preso em sofrimentos passados,
Perdendo alegrias do presente,
Isso não sou eu.
Perseguindo sonhos futuros,
Perdendo a riqueza do presente,
Isso não sou eu.
Eu não sou os dolorosos, inseparáveis
agregados,
A fadiga inexaurível, do Karma,
Tristeza que surge dia após dia,
Nem a crítica interna.
Você me reconhece?
Você me ouve?
Me sente?

Eu não sou ninguém.
O peso dos assuntos samsáricos não sou eu,
Nem sou a prisão da ignorância sombria.
Eu não sou prisioneiro da miserável autofixação
Nem uma decadente vida humana egoísta
.

O coração irreparavelmente partido não sou eu.
Nem a angústia inconsolável,
A doença física terminal,
Ou o cadáver na sepultura de uma vida esvaída.

Você me reconhece?
Eu não sou ninguém.
Você me ouve?
Me sente?

Eu não sou ninguém.

Olhos que olham a culpa dos outros não são eu,
Nem a cegueira que não vê minhas próprias qualidades,
Ouvidos que escutam fofocas,
Ou a surdez para os conselhos do coração dos meus pais.

Ansioso para envelhecer enquanto jovem
E agora tristemente envelhecido – Eu não sou isso.
Eu também não sou aquele feliz com essa vida
Que odeia seguir em frente para a próxima.

Eu não sou alguém que perde a paz interior
Procurando por problemas externos,
Nem alguém que perde obtenções agradáveis
Em apego à lutas pesadas.
Eu não sou alguém que perde amigos de longa data
Perseguindo após o amor temporário e inatingível.

Imagine me conhecer.
Eu não sou ninguém.

Eu não sou alguém que perde seu sorriso aqui e agora
Ao ver a morte enquanto estou vivo.
Nem alguém o caminho para a liberdade posterior.
Em apego à viver enquanto se está morrendo
.

Eu não sou ninguém –
Nem meus renascimentos incontáveis,
Nem meu envelhecimento iminente,
Nem minhas dores e mágoas indeterminadas
Nem minha morte certa.
Eu sou livre de nascimento, envelhecimento, doença e
morte.

Você me conhece?
Eu não sou ninguém.

Eu encontro a minha verdadeira natureza quando não tento.
Eu me vejo quando não olho.
Eu me compreendo quando não estudo.
Eu me percebo quando não penso.

Quando eu me aquieto naturalmente em mim mesmo,

Eu sou um corpo vivenciando a bem-aventurança vazia,
Olhos que contemplam campos búdicos puros.
Ouvidos que escutam a harmonia da sabedoria primordial,
Um coração que sente a verdadeira bondade amorosa.
Eu sou o solo natural da pureza primordial.
A energia da presença espontânea sem bloqueios,
O brilho desobscurecido da luminosidade,
O método que autolibera as aflições,
A porta de entrada para a experiência e realização
espontâneas.

Você me reconhece?
Me ouve?
Me sente?
Eu estou aqui,
Perto,
Bem do seu lado.

Ababa