Ícone do site netmundi.org

Moby Dick – sobre o mar e a alma humana

Moby Dick, de Herman Meville

A obra Moby Dick, de Hermann Meville, utiliza o mar para falar de nossos conflitos interiores. O mar é uma das melhores metáforas para a alma, e o autor constrói sua narrativa na rotina perigosa e impressionante de um navio baleeiro do século XIX. O perfeito equilíbrio entre aventura, drama e psicologia transformou Moby Dick em um clássico da literatura mundial.

No confronto com o mar e seus leviatãs, os personagens de Moby Dick enfrentam seus próprios monstros — que são tão reais quanto a própria realidade, já que influenciam diretamente suas decisões. Esta é a linha mestra da narrativa de Meville.

A visão pessimista do autor acerca da natureza humana causou má impressão quando o livro foi lançado em Londres, em 1851. Porém, o tempo mostrou que Meville estava certo quanto à nossa capacidade e disposição para destruir, bem como nossa quase total incapacidade em lidar com nosso mundo interior.

Por isso, nada mais apropriado do que comparar a alma humana com o mar, que, além de belo e vasto, é também profundo e abissal, permeado de criaturas desconhecidas. Criaturas tão belas e perigosas quanto a própria Moby Dick, a baleia branca caçada insistentemente pelo Capitão Ahab.

Herman Meville, autor de Moby Dick. Pintura de 1891.

Na superfície aparente de nossa vida está a luz de nossas verdades, nossas crenças e convenções que acreditamos terem sido escolhidas racionalmente. Mas, ao mergulhar um pouco mais fundo, aparecem sombras gigantescas — admiráveis ou aterradoras.

São essas sombras que realmente comandam nossas decisões — da mesma forma que Moby Dick comanda as ações do Capitão Ahab, o capitão do navio dedicado a caçar a famosa baleia branca.

Moby Dick é a personificação daquilo que misteriosamente nos atrai como um imã poderoso. É a criatura profunda que define nosso destino; que vive abaixo da superfície aparente de nossas vidas e comanda nossas “atitudes racionais”.

Assim como Moby Dick é a criatura que comanda as ações do capitão Ahab, nós também temos nossas próprias criaturas que vivem nos sentimentos profundos. E elas são muito maiores do que aquilo que decidimos “conscientemente” acreditar.

Meville foi profético se compararmos Moby Dick não apenas com nossos conflitos interiores, mas também com a vingança da natureza contra a destruição humana que poderá arrastar a humanidade para um futuro de sofrimento.

Na história contada por Meville, antes mesmo do encontro do capitão Ahab com a baleia branca, ela já era famosa pelo comportamento incomum de atacar agressivamente seus caçadores. Moby Dick, mesmo ferida por vários arpões, arrastava seus caçadores para a morte.

A caça à baleia no século XIX


Capitão Ahab enfrenta Moby Dick. Ilustração de 1902, autor: I. W. Taber

Moby Dick é um livro que, além de apresentar este espetacular simbolismo entre consciente e inconsciente, também expõe detalhadamente o mundo austero e difícil da caça à baleia do final do século XIX.

Apesar de ser um tipo de caça muito antiga, foi a partir desse século que ela assumiu uma grande proporção comercial. Especialmente a caça da espécie cachalote, que fornecia óleo para as lamparinas dos EUA e do mundo.

Geralmente os navios dedicados a essa tarefa (principalmente os de Nantucket) saiam de seus portos com mantimentos para dar a volta ao mundo. E isso poderia levar até quatro anos sem aportar em terra firme.

Caça à Baleia no Oceano Pacífico, 1835. gravura de Cornelius B. Hulsar.

Ao contrário dos navios mercantes, que apenas transportavam mercadorias, os navios baleeiros viajavam com o objetivo de encher seus depósitos em alto mar com o óleo retirado da cachalote.

O sucesso da viagem dependia de muitos fatores além da sorte e da habilidade do capitão em encontrar as baleias, pois a pesca também consistia no confronto direto dos marinheiros manejando arpões dentro de botes de madeira.

Muitas vezes, apenas depois da batalha contra as baleias é que a tripulação percebia a ausência de algum marinheiro, provavelmente arrastado pelas cordas dos arpões artesanais ou atirado para longe.

Apesar do livro consistir na busca obcecada por Moby Dick, o autor faz muitas descrições técnicas sobre a caça à baleia, a arte da navegação e descreve poeticamente as paisagens em alto mar e a vida marinha.

Moby Dick: um equilíbrio perfeito entre aventura, poesia e reflexão


Moby Dick, óleo obre tela de Andy Thomas

O autor de Moby Dick conseguiu criar uma história que une psicologia, drama e aventura. Além de todas as descrições poéticas, da pesca quase suicida de titãs em alto mar e dos detalhes técnicos, o livro propõe uma reflexão sobre nossos medos, conflitos e obsessões.

A forma como devemos lidar com nossos sentimentos é uma arte sutil que irá definir se iremos levar uma boa vida ou se a vida irá nos arrastar para o desespero e o sofrimento.

O próprio Aristóteles, o antigo filósofo grego, dizia que a verdadeira virtude é um equilíbrio entre o excesso e a falta. Assim, a verdadeira coragem não é a covardia, que não faz nada quando necessário, e nem a temeridade, que arrisca tudo de forma insensata.

Fugir de nossos conflitos e problemas é a covardia, mas agir de forma insensata, desconsiderando os riscos, é a temeridade pode nos levar à destruição.

Foi esse o equilíbrio fundamental que faltou ao melancólico e sombrio capitão Ahab, bem como parece faltar à humanidade.

Apesar do mar — como simbolismo da alma — ser um lugar de grandes perigos, pode ser também um espelho do céu, como sugeriu o poeta Fernando Pessoa. Tudo depende da forma como lidamos com nós mesmos. É necessário, portanto, enfrentar o mar e seus mistérios com verdadeira coragem.

Valeu a pena? Tudo vale a pena
Se a alma não é pequena.
Quem quer passar além do Cabo do Bojador
Tem que ir além da dor.
Pois Deus deu ao mar o perigo e o abismo,
Mas foi nele que decidiu espelhar o céu.

Autor: Alfredo Carneiro
Editor do netmundi.org

Sugestões de leitura do netmundi


  1. Atlântida – a cidade lendária descrita por Platão
  2. Os maiores filósofos da história e a natureza humana
  3. Os três filtros de Sócrates: o bom uso da razão
  4. As rotinas criativas dos grandes pensadores
  5. A Arte de Passear, de Karl Gottlob Schelle
  6. O Dicionário das Tristezas Obscuras
  7. 7 textos fundamentais para compreender Nietzsche
  8. O Gato Preto, de Edgar Allan Poe: um conto autobiográfico
  9. O Corvo, de Edgar Allan Poe (tradução de Milton Amado)
  10. Ozymandias: um poema sobre o poder e o tempo

Navegue pelo netmundi.org


  1. Página Principal
  2. Posts sobre Filosofia
  3. Pensamentos de vários filósofos
Sair da versão mobile