Archive for the ‘Introdução’ Category
O Brasil e a Ciberdemocracia

Manifestantes com cartazes de protesto na Esplanada dos Ministérios, dia 20/06/2013. Foto de Alfredo Carneiro
Depois de um longo tempo sem escrever neste blog, finalmente encontro bons motivos para isso. Acredito, finalmente, que a cibercultura é a perspectiva correta para entender as manifestações que acontecem no Brasil, enquanto que a maioria dos formadores de opinião tentam interpretar esses eventos através de uma defasada ideologia partidária, gerando interpretações absurdas. A cultura digital é um assunto pouco debatido no Brasil, e a surpresa de todos significa que deram pouca importância a ela.
Em 2010 descobri o livro Cibercultura do filósofo Pierre Lévy. Tudo o que estava escrito ali parecia fazer sentido. Eram coisas que eu percebia como profissional de TI e empreendedor frustrado de internet. Amante da filosofia e da ficção científica que sempre fui, acreditava que a consciência globalizada e as profundas transformações sociais, apoiadas pela tecnologia digital, finalmente haviam chegado. Ou pelo menos eram iminentes.

Após expulsar saqueadores, a polícia conversa com manifestante no cordão de isolamento do Congresso Nacional, em Brasília, dia 20/06/2013. Foto de Alfredo Carneiro
Criei então o blog Netmundi – Cibercultura. Empolgado, escrevi vários textos introdutórios, visitei vários blogs e sites, lia sobre o assunto e debatia nas redes sociais sobre as possibilidades da cultura digital. Falei sobre as possibilidades políticas, o impacto na cultura, sobre o conceito de universal sem totalidade, alteridade na era digital , história da mídia e os perigos da internet como fator alienante, entre vários outros temas ligados à cibercultura.
Mas nada aconteceu, pelo menos nos três anos seguintes. Via a mídia tradicional dominar a internet e demarcar seu território, os impostos crescentes e a corrupção absurda , a degradação da educação brasileira, jovens conversando futilidades nas redes sociais e debates políticos dentro do paradigma partidário. Tudo velho, nenhuma novidade. Me senti cada vez mais solitário escrevendo sobre um assunto que parecia não interessar a ninguém.
O Brasil não era o país do futuro, pois aqui a internet apenas refletia o gosto popular por futebol, cerveja e debate religioso vazio. A mídia tradicional – televisão, jornal e revistas – se espalhara pelo ciberespaço brasileiro, difundindo seus valores e interesses. A coletividade não participava de nada, era apenas um receptor passivo de informações. O brasileiro não havia percebido que a força da cultura digital era a interação direta entre as pessoas, sem intermediários. As ideias de Pierre Lévy começaram a me parecer românticas e, por fim, utópicas. A grande consciência global, a internet como um grande neurotransmissor, a descentralização da mídia, a ciberdemocracia e as redes sociais como termômetro da vontade coletiva, nada disso iria acontecer. Eu mesmo comecei a me sentir ingênuo.

Manifestante com cartaz de protesto na Esplanada dos Ministérios, dia 20/06/2013. Foto de Alfredo Carneiro
Mas, para minha surpresa, Pierre Lévy pareceu voltar ter razão da noite para o dia. Uma grande catarse coletiva se materializou, mostrando que de fato o ciberespaço brasileiro estava construindo, aos poucos, uma consciência e uma indignação crescentes, assistindo nas redes sociais às notícias de corrupção, absurdos políticos, impunidade indecente e desvairada e à gritante seleção de informação da grande mídia. Da noite para o dia, tudo mudou. E a participação das tecnologias digitais e das redes sociais nas manifestações espalhadas por todo o país é inegável. Os conceitos e as ideias da cultura digital me pareceram o melhor paradigma possível para compreender a onda de protestos.
O grande debate está ocorrendo nas redes sociais. A mídia tradicional se revelou tendenciosa e incapaz de interpretar e participar, comprometida com esquemas partidários e atrelada a velhas ideologias. Como alguns veteranos do Vietnã que acreditam que a guerra não acabou, muitos formadores de opinião ainda falam em “anos 60″, “esquerda radical” e “ameaça comunista”, tentando sofrivelmente encaixar um velho paradigma a uma novíssima situação. A pérola maior é chamar o movimento de “petismo primitivo”, numa clara afirmação de que a terra ainda é plana.

Saqueadores tentaram romper o cordão de isolamento do Itamaraty e do Congresso Nacional, em Brasília, dia 20/06/2013. Foto de Alfredo Carneiro
Eu estive nas manifestações em Brasília no dia 20 de junho. Estive próximo do cordão de isolamento na frente do Congresso Nacional e vi com meus próprios olhos – que sentiram os efeitos do gás lacrimogêneo – o grupo de vândalos e saqueadores que estavam lá desde cedo com intenção de depredar, invadir e saquear. Essa comissão de frente de saqueadores era rechaçada pelos 35 mil manifestantes que estavam recuados e gritavam “Sai, filha da puta, não vem aqui acabar com nossa luta”. Na grande mídia, no entanto, o foco é somente nos arruaceiros, em uma clara tentativa de desmoralizar os protestos. Sinceramente (fico até constrangido de escrever isso), se 35 mil pessoas estivessem ali para saquear e invadir, não sobraria nada em pé. A polícia iria conter 35 mil saqueadores em Brasília? Ou 300 mil no Rio de Janeiro? Quem são esses policiais? os 300 de Esparta? Focar a interpretação somente na violência é manipulação. Neste caso específico, tentar interpretar um todo de 35 mil manifestantes de Brasília (ou 300 mil no RJ) focando em uma pequena parte de saqueadores é escolher a parte errada. O que pude ver in loco é que, após afastar os saqueadores do cordão de isolamento com gás, a polícia recebia e conversava com os manifestantes, como pode se ver em uma das fotos deste post.
Através de um pensar coletivo, que ocorre pela interatividade das redes sociais, os protestos se organizam de uma forma incompreensível para os adeptos do paradigma partidário. Eles não conseguem ver as manifestações como o resultado de uma mente coletiva , mas buscam em vão uma “liderança que manipula as massas”. Essa mente coletiva não quer o fim da democracia, nem do livre comércio que proporcionou a tecnologia que a ajudou a nascer, mas antes quer que os políticos façam a sua parte. Por mais que os eventos atuais remetam às velhas lembranças e fantasmas do passado, não é o passado que se faz presente, mas um futuro conectado, interativo e militante, que pensa de forma coletiva e não mais reflete as ideias de um pequeno grupo suspeito.
Voltei então a ser ingênuo, a acreditar que por vezes algumas ideias são avançadas demais para o Brasil. No entanto, mais do que nunca elas precisam ser difundidas, para limpar de vez ideologias obsoletas, lentes distorcidas e velhos esquemas de poder. A democracia se renova, os velhos centros de poder perdem força e o futuro tem um nome: ciberdemocracia e consciência coletiva. Espero estar certo, mas se não estiver, não poderei jamais me condenar por nunca ter tentado entender o meu tempo, com sinceridade e ingenuidade.
Alfredo Carneiro
O texto “O Brasil e a Ciberdemocracia” de Alfredo de Moraes Rêgo Carneiro foi licenciado com uma Licença Creative Commons – Atribuição 3.0 Não Adaptada. Você pode distribuir, reproduzir, adaptar e fazer uso comercial desde que cite o autor.
Cultura e Cibercultura

A forma de conhecer outras culturas através das tecnologias digitais é diferente da que nos é oferecida pelas mídias de massa.
A cultura é entendida como o conjunto de costumes, crenças, comportamentos e leis que se manifestam em um determinado povo, isso quer dizer que toda cultura sempre tem um contexto muito bem definido. Todos os povos tem uma identidade cultural que é construída ao longo de sua história, e a cultura de um determinado povo afeta a percepção de mundo de seus habitantes. A diversidade cultural também ocorre dentro de uma cultura, como é o caso do Brasil, onde temos várias religiões e grupos sociais. Dessa forma, dentro de uma cultura encontramos diferentes pontos de vista e visões de mundo.
Com o advento das telecomunicações, indivíduos de várias culturas e gerações diferentes passaram a e dialogar e trocar experiências. A história está repleta de episódios onde ocorreu o encontro de culturas, o problema é que grande parte desses episódios foram marcados pela brutalidade, conflitos e dominação comandados por impérios e estados. E, mais recentemente, a percepção cultural de outros povos se dava (e ainda se dá) através da televisão, ou seja, ainda através de terceiros.
A cibercultura, por sua vez, é indiferente aos contextos e identidades culturais. Ela não representa a cultura de um determinado povo, no entanto liga pessoas de todas as culturas de forma indiscriminada. Isso torna a universalidade sua principal característica, e implica na percepção da alteridade , na mudança de costumes e na criação de novos pontos de vista. Isso se dá através do diálogo direto com pessoas que tem concepções distintas de mundo. Um jovem, conectado à internet, pode descobrir que existem outras formas possíveis de entender e representar o mundo através do diálogo. A palavra universalidade é utilizada aqui para se referir ao universo humano.
Isso não quer dizer que os velhos problemas que envolvem a alienação, o preconceito e o senso comum irão acabar, a conectividade das tecnologias digitais é indiferente a isso, mas essa interatividade representa uma possibilidade de conhecer o outro de forma mais rica e pessoal, sem os filtros comuns das mídias de massa ou da opinião alheia. Esse contato direto entre os indivíduos representa a novidade e a força da cibercultura.
Vídeo sobre a cultura digital no Brasil
Este pequeno documentário fala sobre cultura livre e cultura digital no Brasil. Achei o vídeo um tanto ingênuo e otimista demais. No entanto, alguns entrevistados conseguiram falar com clareza sobre a produção coletiva de conteúdo, além de citar exemplos de protestos na rede que deram resultados positivos.
Digirealejotal from FLi Multimídia on Vimeo.
Linha do tempo da cultura digital.
Confira o projeto linha do tempo da cultura digital, trata-se de uma linha do tempo que mostra os principais eventos que marcaram a cultura digital no Brasil e no mundo. É uma importante ferramenta que nos ajuda a observar a evolução da cultura digital e sua influência na cultura e na sociedade.
O texto Sobre, extraído do site, diz tudo o que tem que ser dito sobre o projeto :
“A Linha do Tempo da Cultura Digital é um projeto que visa recuperar a memória da cultura digital, inicialmente, nos últimos 10 anos. Busca recuperar fatos, eventos, pessoas e falas que tenham sido importantes para a fundamentação da cultura digital hoje, seja no âmbito nacional quanto no internacional.
O projeto foi desenvolvido pelo Hacklab e pela Fli Multimídia, para o II Fórum da Cultura Digital Brasileira, e espera ter a colaboração de cada um que queira ajudar na recuperação da memória da cultura digital nacional e internacional.”
As novas tecnologias imbecilizam?
Culpamos as tecnologias porque queremos tirar de nossas costas o peso de nossa responsabilidade. Televisão, internet, celulares e video-games são interpretados com “entidades” que alienam e viciam os jovens, como se essas tecnologias tivessem vida própria. O fato, bem real, é que os jovens das grandes cidades estão ficando alienados. No entanto, culpar as tecnologias é reduzir um problema complexo para que, enfim satisfeitos e livres de culpa, possamos prosseguir com nossos julgamentos equivocados.
Armando Levy, gestor de conteúdo da e-Press, faz a seguinte observação :
“No entanto, o que parece se tornar evidente a cada dia que passa é o fator de alienação que se esconde no uso de Internet, pois a juventude, ao invés de questionar a corrupção no País ou a qualidade do ensino que recebe, parece preferir passar seu tempo em pseudo comunidades no Orkut ou Youtube comentando a capa que o cantor do último vídeo clipe estava usando”
Portanto, a bobagem coletiva que vemos na internet é fruto de uma alienação que inicia nas escolas, nas casas e no governo. Talvez, até mesmo por conta de nossa educação, voltada para a produtividade, perdemos a capacidade de ver o óbvio. E o óbvio é que por trás das tecnologias estão pessoas. Supor que as tecnologias são culpadas é supor que uma arma consiga cometer um crime por conta própria.
Pierre Levy fala sobre isso em seu livro Ciberculura :
“Mesmo supondo que existam três “entidades” (cultura, tecnologia e sociedade), poderíamos igualmente pensar que a tecnologia é fruto de uma cultura e de uma sociedade. Não existe nenhum ator ou “causa” independente. Encaramos as tendências intelectuais como atores porque existem grupos humanos bastante reais que se organizam ao redor desses conceitos. Ou mesmo porque alguns desses grupos tentam nos fazer acreditar que um problema é “puramente técnico” , “puramente cultural” ou “puramente econômico”. As verdadeiras relações não são entre tecnologia e cultura, e sim entre um grande número de atores humanos que inventam, produzem, utilizam e interpretam as tecnologias.”
É mais fácil culpar essas “entidades” do que olhar para nossas falhas. Não usamos o poder da internet para combater a corrupção e o descaso com a educação. Observamos a cultura da beleza, da futilidade, da indivudualidade e da “auto-estima” tomar conta de nossa juventude, que aos poucos começa a perder seu senso crítico e a seguir as “modas” e “tendências”, mascaradas de tribos e filosofias, que são disseminadas através das mídias de massa. Tudo isso tem uma singela lógica : vender produtos. E para vender produtos vale tudo, até mesmo alienar uma geração.
Deixamos nossos filhos em busca da “eficiência” e da “eficácia”, buscamos a felicidade pessoal, perseguimos a magreza, a beleza e a riqueza em detrimento do verdadeiro convívio social. Não cobramos nossos direitos e não cumprimos com nossos deveres. Quando a sociedade apresenta os resultados dessa visão de mundo, dizemos que o problema está na televisão, na internet, nos video-games ou seja lá o que for a “bola da vez”.
Arte Tecnológica : Uma introdução
A arte tecnológica é uma nova forma de fazer arte que tem acontecido nos últimos 30 anos, substituindo os artefatos utilizados na produção da arte “tradicional” por dispositivos tecnológicos. Telas, pincéis, quadros e esculturas passam a concorrer com uma arte virtualizada, conectada e interativa.
A nova face da arte deve responder aos anseios do homem moderno. O novo e populoso mundo tecnológico, caracterizado pela conectividade, pelo cotidiano caótico e pela confusão dos espíritos, está em busca de um novo tipo de arte que o represente. Essa nova arte dá sentido e valor à tecnologia.
Através dos recursos tecnológicos os artistas aumentam sua capacidade de se expressar, transportam o espectador para dentro de ambientes virtuais, conectam quadros distantes e buscam causar surpresa e impacto, chamando a atenção para o sentido da obra. Recursos de interatividade e imersão levam o indivíduo a sentir o prazer de caminhar em um jardim fantástico ou a “sentir na pele” a agonia da guerra.
Dessa forma, a arte tecnológica tenta fazer o homem moderno perceber como a tecnologia e seus dispositivos se infiltraram silenciosamente em suas vidas e mudaram seus costumes e ampliaram sua visão do mundo, de forma objetiva, percebendo as modificações do mundo como coisa externa; e de mundo, de forma subjetiva, sendo utilizada no repensar acerca das questões tanto cotidianas quanto emocionais e filosóficas.
Felipe Neto, PC Siqueira e Cibercultura

PC Siqueira
Algumas das principais características da cibercultura são a interatividade, a comunicação direta entre as pessoas e a descentralização da grande mídia. Um jovem que grava vídeos caseiros que são visualizados milhões de vezes sem o intermédio de uma emissora de televisão é um fenômeno que ajuda a compreender essas características.
Hoje um indivíduo, através da internet, pode expressar sua opinião livremente e receber respostas de seus espectadores sem filtros ou censuras. A primeira característica observada é a descentralização da grande mídia. Os vídeos caseiros publicados por Felipe Neto e PC Siqueira conseguiram atingir milhões de visualizações apenas através da disseminação entre os jovens e sem o intermédio de uma emissora de televisão.
Enquanto isso, a televisão tem como principal característica a passividade no recebimento da mensagem. O espectador não é um ator ou agente de transformação da informação e a interatividade é muito baixa, se existir.
Com a internet ocorre o contrário. O receptor da mensagem pode fazer comentários, gravar vídeos de resposta ou até mesmo se comunicar diretamente com o emissor da mensagem. O espectador se torna um agente de transformação da mensagem. Assim, a internet proporciona uma experiência de interatividade que a televisão não consegue proporcionar.
Para o público jovem que quer se expressar, e percebe que os atuais programas de televisão não refletem sua realidade, seus dramas e seus problemas atuais, a internet tende a se tornar sua principal fonte de informação e forma de expressão.

Felipe Neto
Os vídeos publicados por Felipe Neto e PC Siqueira tratam de assuntos como homossexualismo, preconceito,racismo, carnaval, corrupção e comportamento adolescente através de uma linguagem que atinge o público jovem brasileiro. Os autores dos vídeos gritam palavrões, pulam, ridicularizam filmes e bandas da moda, esquecem o que estavam falando, aparecem fazendo café, mostram a bagunça do quarto, etc. Com isso eles conseguem atingir um público que percebe nesses vídeos que aquela é a realidade do jovem brasileiro das grandes cidades.
Apesar do enorme poder que os meios tradicionais de comunicação ainda exercem no Brasil, o surgimento dessas celebridades da internet apontam para um novo comportamento do público. Ele quer deixar sua opinião, seu insulto, seu xingamento e sua indignação.
Não importa, na análise desse fenômeno, a validade das opiniões dos autores dos vídeos e sim o fato de que podemos observar uma parcela da nova geração em busca de novas experiências de comunicação. Isso não impede, é claro, que as emissoras de televisão, jornais e revistas explorem os novos canais de comunicação, mas essa é outra história.
A Inteligência Coletiva
A inteligência coletiva nasce do trabalho colaborativo e da interação que a internet proporciona. Essa interação humana cria um ambiente propício para o desenvolvimento de novas ideias e soluções. O conhecimento compartilhado na rede se multiplica e se transforma em grande velocidade.
O compartilhamento de conhecimentos é uma prática antiga da humanidade, mas que se potencializou com a internet. No filme “A Guerra do Fogo”, que se passa na pré-história, uma tribo sofre para conseguir o fogo, que só era possível quando um raio provocava um incêndio. Em uma situação de desespero, quando a chama mantida pela tribo apagou, eles enviam um grupo em busca de fogo. Então, depois de muito sofrimento, esse grupo encontra algo mais valioso que o próprio fogo. Eles encontram uma integrante de outra tribo que detinha o conhecimento de como fazer fogo friccionando gravetos.
O desenvolvimento da escrita permitiu a propagação de conhecimento entre indivíduos e entre gerações, traçando uma linha divisória entre pré-história e história e favorecendo de maneira decisiva o desenvolvimento da civilização. Conhecimento, arte e cultura passaram a ser registrados e difundidos. O surgimento da imprensa permitiu que o conhecimento fosse distribuido em larga escala. Os erros e acertos da humanidade ficaram registrados para a posteridade e as grandes descobertas e invenções eram compartilhadas entre aqueles que tinham acesso aos livros. Posteriormente a televisão deu vida às informações com sons e imagens e com ela surgiu uma poderosa industria de entretenimento. No entanto tudo isso tinha pouca ou nenhuma interatividade. O indivíduo era um receptor passivo. A interatividade já existia, mas de forma tímida e trabalhosa para o usuário final.
Nos dias de hoje o conhecimento é transmitido pela internet através de textos, vídeos, imagens e sons. As dificuldades da busca pelo conhecimento se reduziram drasticamente graças ao compartilhamento global e a comunicação direta entre indivíduos. No entanto, através da internet, o conhecimento não é somente distribuído e compartilhado, ele é transformado rapidamente através da interatividade. Diferente do conhecimento transmitido por livros e pela televisão, o conhecimento difundido na internet é dinâmico. Um artigo ou vídeo que é publicado na internet pode receber críticas, elogios e sugestões de qualquer pessoa que tenha acesso. O usuário final da informação deixou de ser um receptor passivo para se tornar um agente de transformação do conhecimento.
Por outro lado podemos observar no ciberespaço uma extensão da manipulação que já acontecia com a televisão. Governos, partidos políticos, empresas e emissoras de televisão disseminam valores e ideias que atendem somente aos seus interesses. Apesar da grande interatividade proporcionada pela comunicação digital, a inteligência coletiva precisa da valorização e do amadurecimento do pensamento crítico para gerar benefícios para todos e separar o joio do trigo no oceano de informações do ciberespaço.
Por fim, a inteligência coletiva só pode se desenvolver se existir a comunicação direta entre as pessoas, amadurecimento das formas de cooperação, equlíbrio entre colaboração e competição e a valorização do pensamento crítico. Sem esses fatores a internet é um campo livre para a disseminação de falsas informações e manipulação em massa. Será papel da inteligência coletiva a criação de uma consciência global que deve julgar o que é bom para todos.
O que é cibercultura?
A comunicação digital gerou um novo comportamento humano. A interação de milhões de pessoas de todos os horizontes através de um caótico mundo virtual criou novos valores, formas de pensar e manifestações artísticas. A cibercultura é esse conjunto de tranformações que ocorrem na sociedade e na cultura e que tem sua origem no desenvolvimento do ciberespaço.
Tanto o ciberespaço como a cibercultura não foram previstos nem mesmo pelos mais imaginativos escritores de ficção científica. Sua origem se deu da fusão de iniciativas isoladas de instituições e pessoas visionárias. Iniciou com a criação dos primeiros grandes computadores, passando pela popularização dos computadores pessoais, seguindo até a criação das primeiras redes de computadores e fusão das diferentes redes. Depois disso temos a impressão de que o mundo virtual criou vida própria. No entanto essa é uma falsa impressão. O fermento que faz crescer o ciberespaço é nossa necessidade de comunicação.
Um exemplo ilustrativo de mudança de comportamento ocorreu com a popularização do e-mail. Antigamente era aceitável que, ao enviar uma carta pelo correio, esperássemos até duas ou três semanas para receber a resposta. Atualmente, ao enviarmos uma mensagem, esperamos a resposta no mesmo dia. Nossa expectativa de obter uma resposta de alguém passou de semanas para horas ou minutos.
Partindo para um exemplo mais radical, o cientista brasileiro Miguel Nicolelis afirmou que no médio prazo não usaremos mais teclados e monitores. Em reportagem recente ao Jornal Estadão, ele afirmou que iremos submergir em sistemas virtuais e nos comunicaremos diretamente com as máquinas. No longo prazo, o corpo deixará de ser um fator limitante de nossa atuação no mundo. Nosso alto grau de interatividade com as máquinas iria então afetar a evolução humana.

Quadros criados por Eduardo Kac permitem que visitantes de museus de galerias de vários países conversem entre sí.
Nas artes, a interatividade e a tecnologia inspiram artistas desde a década de 70. Um exemplo de artista brasileiro que utiliza interatividade e telepresença é Eduardo Kac. Suas obras de arte, revolucionárias e “estranhas” para os anos 80, permitiam que os visitantes interagissem com as obras de arte, fossem recebidos por robôs comandados a distância e conversassem entre sí através de quadros conectados. A arte digital difunde os novos conceitos da cibercultura e cumpre o seu papel de criticar os problemas modernos.
No entanto, a cibercultura também cria novos problemas. Aqueles que não tem acesso ao ciberespaço, que não dominam as tecnologias que abrem as portas para ele, se tornam os marginalizados da cibercultura, os excluídos. A velocidade do desenvolvimento tecnológico surpreende até mesmo os que se esforçam para se manter integrados à essa nova realidade. A exclusão aumenta ainda mais quando associada ao ciberespaço. Excluídos não são mais somente um grupo de pessoas. Podem ser cidades ou nações inteiras.
Infelzmente, mesmo nesse ambiente de liberdade e interação global, as possibilidades positivas da cibercultura se encontram ameaçadas. A grande interatividade humana proporcionada pela comunicação digital favorece a evolução da civilização e o surgimento de uma inteligência coletiva. O pensamento crítico, as manifestações artísticas e as ideias que surgem da interação humana no ciberespaço seriam os fatores responsáveis pela criação de novas soluções para os grandes problemas modernos. No entanto, sem a atuação da inteligência coletiva a cibercultura pode se tornar apenas um grande supermercado on-line e ferramenta de desinformação e manipulação, o que seria apenas uma reprodução em larga escala do que já ocorre nos dias de hoje através dos meios de comunicação tradicionais, como a televisão e o jornal.