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Cibercultura e o universal sem totalidade.

As mensagens das mídias de massa são produzidas para atingir a todos e não permitem interação. Na cultura digital as mensagens são contextualizadas e se modificam com a participação coletiva.
Entender o conceito do universal sem totalidade é fundamental para compreender como a interatividade das tecnologias digitais mudou nosso relacionamento com a informação. Se antes, através da TV, éramos apenas receptores passivos, hoje temos a possibilidade de comentar notícias, postar vídeos, criar conteúdos e debater em fóruns e redes sociais.
Na tradição oral as informações estavam sempre dentro de um contexto e a mensagem se alterava com a interação entre as pessoas. Ocorria um envolvimento emocional e uma colaboração coletiva na transmissão. Foi dessa forma que chegaram até nós os mitos, grande parte da história da humanidade e as religiões mais antigas. A mensagem oral atendia a determinados contextos de grupos ou tribos, não era universal, e não tinha a intenção de atingir pessoas fora desses contextos (de atingir a todos), portanto não era totalizante.
As mensagens das mídias de massa, por sua vez, são estáticas e produzidas de forma a atingir o maior número possível de pessoas. Os programas de televisão e os artigos de jornais e revistas são feitos para que todos entendam. As mensagens não se modificam, pois não tem interatividade e são recebidas passivamente pelos seus usuários. É a mensagem feita para todos. E, para que ela sirva para todos, ela precisa ser produzida levando em conta as capacidades mínimas de interpretação das pessoas. As mídias de massa se difundiram de tal forma que hoje podemos afirmar que ela atinge quase toda a humanidade, se tornando universal. Dessa forma as mensagens das mídias de massa são universais e totalizantes. São mensagens emitidas a partir de um centro de decisão (governos e empresas) e sem a participação ativa da coletividade.
Na cibercultura ocorre o retorno das características da tradição oral, mas, como afirma Pierre Levy, em uma escala muito maior. Com o crescimento do ciberespaço, representado pela interconexão de computadores e dispositivos aliada aos avanços tecnológicos e a queda dos preços, existe a possibilidade de que, em um futuro próximo, toda a humanidade esteja conectada.
Diferente das mídias de massa, na cibercultura o contexto individual é explorado. Através da interatividade, como acontece nos fóruns, blogs e redes sociais, as mensagens são criadas e se modificam rapidamente através de um processo de colaboração e distribuição coletiva. Grande parte das mensagens são produzidas para atender a um determinado grupo. Como essas mensagens se modificam muito rapidamente, não podemos afirmar que elas pretendem “atingir a todos”, pois a principal característica da mensagem totalizante é não permitir que seu sentido seja alterado. Então, o universal totalizante inaugurado pela escrita e perpetuada pelas mídias de massa começa a conviver, e ser ameaçado, com um novo tipo de mensagem, a mensagem universal sem totalidade. A mensagem coletiva e colaborativa da cibercultura.
Cibercultura e alteridade
A alteridade é uma experiência que nos permite conhecer o outro. Os meios digitais proporcionam a interligação de pessoas de culturas e visões de mundo diferentes, através de um ambiente que permite o diálogo direto. No entanto, esse contato implica em uma atitude aberta e descondicionada. Isso quer dizer que não podemos conhecer o outro enquanto levarmos nossa bagagem de condicionamentos e preconceitos.
Insistir em entender outras pessoas e culturas a partir de nossos conceitos e contextos é insistir em nada entender. Essa lição já nos foi dada pela antropologia. No passado, os antropólogos procuravam entender os povos “primitivos” em comparação com a “civilização”. Procuravam entender as outras culturas a partir do ponto de vista da evolução. Posteriormente, quando os antropólogos finalmente passaram a viver entre os povos que estudavam, puderam perceber a complexidade das sociedades ditas “primitivas”. Perceberam a profundidade de suas religiões, seus simbolismos, a organização de suas sociedades e estruturas de poder. Descobriram que, para os contextos desses povos, sua visão de mundo era até mesmo mais eficiente que a visão “civilizada”.
Isso não quer dizer que, no contato com o outro, devo anular minha identidade. Isso seria um absurdo, uma vez que, para que ocorra um diálogo, é necessário que todos os envolvidos tenham uma identidade. Isso é bem diferente de uma atitude aberta, que se dispõe a fazer algumas concessões em nome do entendimento ou do acordo. A alteridade permite tanto o diálogo quanto o respeito à identidade dos envolvidos.
No Brasil, onde temos várias religiões, é normal que as pessoas tenham amigos de crenças opostas. Umbandistas, evangélicos, católicos, budistas, esotéricos, ateus e agnósticos convivem sem grandes conflitos. No entanto, podemos observar na internet o crescimento do proselitismo e do preconceito. As redes sociais estão repletas de discursos virulentos e ofensas entre pessoas de crenças opostas, e o crescimento da internet só tende a aumentar isso.
Outros, mais inteligentes, utilizam a internet para ampliar seus contatos sociais e conhecimentos. Fazem amizades com pessoas de outros países e conhecem outras religiões sem deixar de lado suas crenças, aumentando suas perspectivas e pontos de vista. São comuns hoje os relatos de casamentos de pessoas de outros países ou crenças que se conheceram através da internet. Isso mostra que, quando nos abrimos para a alteridade, aprendemos mais sobre nós mesmos.
No Dicionário Filosófico, de Regina Schopke, temos um conceito bastante enriquecedor sobre a alteridade.
Acerca das relações entre os seres, diz Nietzsche, um ser é sempre um transmundo para o outro, o que significa dizer que cada ser é único, singular, insubstituível, embora nem por isso seja impossível estabelecer uma ponte verdadeira entre eles. Tal ponte, nascida do amor, da amizade ou de algum tipo de afeto, termina por unir mundos que, de outro modo, talvez jamais se tocariam.
Amanda Gurgel e a verdade

A professora Amanda Gurgel conseguiu expôr de forma clara a situação desanimadora da educação no Brasil.
O vídeo do discurso da professora Amanda Gurgel para os deputados do RN virou febre na internet. Ela expôs, com indignação e propriedade, suas dificuldades como professora e a situação crítica da educação no Brasil. Não é bem isso que aparece na televisão em períodos de eleição, época em que os políticos, finalmente, resolvem falar sobre educação.
Eles, os políticos, falam de suas conquistas citando números, mostrando a construção de escolas e mascarando a realidade. Esse episódio mostra que a perda da hegemonia das mídias de massa para a internet vai tornar a vida de políticos mentirosos um pouco mais difícil. Não está mais tão fácil mentir, uma vez que a verdade pode vir a tona através de algum vídeo viral.
O importante desse episódio é entender que sem a popularização da internet discursos como esse iriam se perder. Não precisamos mais pedir para alguma emissora ou jornal publicar nossa indignação. Podemos fazer isso nós mesmos. É importante compreender que estamos em um processo de democratização da informação.
Portanto, não estamos mais tão impotentes perante os desmandos e as mentiras dos políticos e da grande mídia. O alerta da professora Amanda Gurgel é também um convite para todos os que querem protestar.
A voz da comunidade e a nova comunicação.
Durante a tomada do complexo do Alemão, no Rio de Janeiro, em novembro de 2010, as emissoras não podiam cobrir de perto o que acontecia, uma vez que estavam impossibilitadas de entrar no morro. No entanto, graças a um jovem morador da favela, a invasão foi noticiada via Twitter. Essa comunicação direta e descentralizada é a marca da cultura digital, e esse episódio é um ótimo exemplo para compreender essa nova comunicação.
Esse jovem, além de noticiar o que estava acontecendo, também corrigia as notícias desencontradas que passavam na televisão. Bem antes da ocupação, ele já atuava na favela fazendo um admirável trabalho comunitário. Com poucos recursos produzia um jornal de utilidade pública, chamado “Voz da Comunidade”, e utilizava redes sociais para se comunicar. Nesse dia, ele tomou o lugar das grandes emissoras.
Em apenas 3 dias, durante a invasão, o perfil no Twitter da “Voz da Comunidade” passou de 180 para mais de 30.000 seguidores. O jovem, chamado Rene Silva, se tornou um verdadeiro correspondente de guerra. O feito virou notícia no mundo todo e foi citado pela CNN, BBC e Al Jazeera.
Atualmente, até mesmo grandes jornais, como O Globo, utilizam a Voz da Comunidade como fonte de informação. Rene Silva, de apenas 17 anos, morador do Morro do Adeus, está utilizando o prestígio conquistado para conseguir patrocínio para seu jornal e melhorar a vida da sua comunidade, trabalho que ele já fazia desde os 11 anos de idade.
Rene escreveu seu nome na história da cultura digital brasileira. Sua iniciativa mostra que, com boa vontade e poucos recursos tecnológicos, podemos fazer a diferença e ir até mesmo onde a grande mídia não consegue chegar.
A morte do livro ?
O livro impresso não irá morrer, e sim se tornar ainda mais forte devido à internet. Em um outro post eu arrisquei um palpite, dizendo que o livro deverá conviver com leitores eletrônicos, tablets e outras tecnologias que irão facilitar a vida do leitor. No entanto, em minhas navegações, encontrei uma entrevista com Roger Chartier onde ele afirma o seguinte:
“O essencial da leitura hoje passa pela tela do computador. Mas muita gente diz que o livro acabou, que ninguém mais lê, que o texto está ameaçado. Eu não concordo. O que há nas telas dos computadores? Texto – e também imagens e jogos. A questão é que a leitura atualmente se dá de forma, fragmentada, num mundo em que cada texto é pensado como uma unidade separada de informação. Essa forma de leitura se reflete na relação com as obras, já que o livro impresso dá ao leitor a percepção de totalidade, coerência e identidade – o que não ocorre na tela. É muito difícil manter um contato profundo com um romance de Machado de Assis no computador.”
Esse estímulo à leitura é algo inédito, como quase tudo na cibercultura. A internet, portanto, estimula a venda de livros. O livro impresso, por sua vez, está aos poucos se reinventando. Editoras começam a publicar “obras de bolso” a um custo mais baixo, aumentando o acesso aos livros. Existe uma crescente quantidade de leitores que pesquisam e compram livros pela internet. O que podemos observar é a crescente demanda por livros, potencializada pela facilidade de comprar.
Linha do tempo da cultura digital.
Confira o projeto linha do tempo da cultura digital, trata-se de uma linha do tempo que mostra os principais eventos que marcaram a cultura digital no Brasil e no mundo. É uma importante ferramenta que nos ajuda a observar a evolução da cultura digital e sua influência na cultura e na sociedade.
O texto Sobre, extraído do site, diz tudo o que tem que ser dito sobre o projeto :
“A Linha do Tempo da Cultura Digital é um projeto que visa recuperar a memória da cultura digital, inicialmente, nos últimos 10 anos. Busca recuperar fatos, eventos, pessoas e falas que tenham sido importantes para a fundamentação da cultura digital hoje, seja no âmbito nacional quanto no internacional.
O projeto foi desenvolvido pelo Hacklab e pela Fli Multimídia, para o II Fórum da Cultura Digital Brasileira, e espera ter a colaboração de cada um que queira ajudar na recuperação da memória da cultura digital nacional e internacional.”
As novas tecnologias imbecilizam?
Culpamos as tecnologias porque queremos tirar de nossas costas o peso de nossa responsabilidade. Televisão, internet, celulares e video-games são interpretados com “entidades” que alienam e viciam os jovens, como se essas tecnologias tivessem vida própria. O fato, bem real, é que os jovens das grandes cidades estão ficando alienados. No entanto, culpar as tecnologias é reduzir um problema complexo para que, enfim satisfeitos e livres de culpa, possamos prosseguir com nossos julgamentos equivocados.
Armando Levy, gestor de conteúdo da e-Press, faz a seguinte observação :
“No entanto, o que parece se tornar evidente a cada dia que passa é o fator de alienação que se esconde no uso de Internet, pois a juventude, ao invés de questionar a corrupção no País ou a qualidade do ensino que recebe, parece preferir passar seu tempo em pseudo comunidades no Orkut ou Youtube comentando a capa que o cantor do último vídeo clipe estava usando”
Portanto, a bobagem coletiva que vemos na internet é fruto de uma alienação que inicia nas escolas, nas casas e no governo. Talvez, até mesmo por conta de nossa educação, voltada para a produtividade, perdemos a capacidade de ver o óbvio. E o óbvio é que por trás das tecnologias estão pessoas. Supor que as tecnologias são culpadas é supor que uma arma consiga cometer um crime por conta própria.
Pierre Levy fala sobre isso em seu livro Ciberculura :
“Mesmo supondo que existam três “entidades” (cultura, tecnologia e sociedade), poderíamos igualmente pensar que a tecnologia é fruto de uma cultura e de uma sociedade. Não existe nenhum ator ou “causa” independente. Encaramos as tendências intelectuais como atores porque existem grupos humanos bastante reais que se organizam ao redor desses conceitos. Ou mesmo porque alguns desses grupos tentam nos fazer acreditar que um problema é “puramente técnico” , “puramente cultural” ou “puramente econômico”. As verdadeiras relações não são entre tecnologia e cultura, e sim entre um grande número de atores humanos que inventam, produzem, utilizam e interpretam as tecnologias.”
É mais fácil culpar essas “entidades” do que olhar para nossas falhas. Não usamos o poder da internet para combater a corrupção e o descaso com a educação. Observamos a cultura da beleza, da futilidade, da indivudualidade e da “auto-estima” tomar conta de nossa juventude, que aos poucos começa a perder seu senso crítico e a seguir as “modas” e “tendências”, mascaradas de tribos e filosofias, que são disseminadas através das mídias de massa. Tudo isso tem uma singela lógica : vender produtos. E para vender produtos vale tudo, até mesmo alienar uma geração.
Deixamos nossos filhos em busca da “eficiência” e da “eficácia”, buscamos a felicidade pessoal, perseguimos a magreza, a beleza e a riqueza em detrimento do verdadeiro convívio social. Não cobramos nossos direitos e não cumprimos com nossos deveres. Quando a sociedade apresenta os resultados dessa visão de mundo, dizemos que o problema está na televisão, na internet, nos video-games ou seja lá o que for a “bola da vez”.

