Posts Tagged ‘cultura digital’
Entrevista com Manuel Castells
Manuel Castells é um Sociólogo espanhol que pesquisa a cultura digital e, assim como o filósofo Pierre Lévy, tem uma visão positiva da cibercultura. Ao contrário do senso comum que afirma que a internet e as novas tecnologias alienam, Castells, afirma que elas integram as pessoas e promovem as grandes mudanças sociais, políticas e econômicas que assistimos hoje, inclusive no Brasil.
O Brasil e a Ciberdemocracia

Manifestantes com cartazes de protesto na Esplanada dos Ministérios, dia 20/06/2013. Foto de Alfredo Carneiro
Depois de um longo tempo sem escrever neste blog, finalmente encontro bons motivos para isso. Acredito, finalmente, que a cibercultura é a perspectiva correta para entender as manifestações que acontecem no Brasil, enquanto que a maioria dos formadores de opinião tentam interpretar esses eventos através de uma defasada ideologia partidária, gerando interpretações absurdas. A cultura digital é um assunto pouco debatido no Brasil, e a surpresa de todos significa que deram pouca importância a ela.
Em 2010 descobri o livro Cibercultura do filósofo Pierre Lévy. Tudo o que estava escrito ali parecia fazer sentido. Eram coisas que eu percebia como profissional de TI e empreendedor frustrado de internet. Amante da filosofia e da ficção científica que sempre fui, acreditava que a consciência globalizada e as profundas transformações sociais, apoiadas pela tecnologia digital, finalmente haviam chegado. Ou pelo menos eram iminentes.

Após expulsar saqueadores, a polícia conversa com manifestante no cordão de isolamento do Congresso Nacional, em Brasília, dia 20/06/2013. Foto de Alfredo Carneiro
Criei então o blog Netmundi – Cibercultura. Empolgado, escrevi vários textos introdutórios, visitei vários blogs e sites, lia sobre o assunto e debatia nas redes sociais sobre as possibilidades da cultura digital. Falei sobre as possibilidades políticas, o impacto na cultura, sobre o conceito de universal sem totalidade, alteridade na era digital , história da mídia e os perigos da internet como fator alienante, entre vários outros temas ligados à cibercultura.
Mas nada aconteceu, pelo menos nos três anos seguintes. Via a mídia tradicional dominar a internet e demarcar seu território, os impostos crescentes e a corrupção absurda , a degradação da educação brasileira, jovens conversando futilidades nas redes sociais e debates políticos dentro do paradigma partidário. Tudo velho, nenhuma novidade. Me senti cada vez mais solitário escrevendo sobre um assunto que parecia não interessar a ninguém.
O Brasil não era o país do futuro, pois aqui a internet apenas refletia o gosto popular por futebol, cerveja e debate religioso vazio. A mídia tradicional – televisão, jornal e revistas – se espalhara pelo ciberespaço brasileiro, difundindo seus valores e interesses. A coletividade não participava de nada, era apenas um receptor passivo de informações. O brasileiro não havia percebido que a força da cultura digital era a interação direta entre as pessoas, sem intermediários. As ideias de Pierre Lévy começaram a me parecer românticas e, por fim, utópicas. A grande consciência global, a internet como um grande neurotransmissor, a descentralização da mídia, a ciberdemocracia e as redes sociais como termômetro da vontade coletiva, nada disso iria acontecer. Eu mesmo comecei a me sentir ingênuo.

Manifestante com cartaz de protesto na Esplanada dos Ministérios, dia 20/06/2013. Foto de Alfredo Carneiro
Mas, para minha surpresa, Pierre Lévy pareceu voltar ter razão da noite para o dia. Uma grande catarse coletiva se materializou, mostrando que de fato o ciberespaço brasileiro estava construindo, aos poucos, uma consciência e uma indignação crescentes, assistindo nas redes sociais às notícias de corrupção, absurdos políticos, impunidade indecente e desvairada e à gritante seleção de informação da grande mídia. Da noite para o dia, tudo mudou. E a participação das tecnologias digitais e das redes sociais nas manifestações espalhadas por todo o país é inegável. Os conceitos e as ideias da cultura digital me pareceram o melhor paradigma possível para compreender a onda de protestos.
O grande debate está ocorrendo nas redes sociais. A mídia tradicional se revelou tendenciosa e incapaz de interpretar e participar, comprometida com esquemas partidários e atrelada a velhas ideologias. Como alguns veteranos do Vietnã que acreditam que a guerra não acabou, muitos formadores de opinião ainda falam em “anos 60″, “esquerda radical” e “ameaça comunista”, tentando sofrivelmente encaixar um velho paradigma a uma novíssima situação. A pérola maior é chamar o movimento de “petismo primitivo”, numa clara afirmação de que a terra ainda é plana.

Saqueadores tentaram romper o cordão de isolamento do Itamaraty e do Congresso Nacional, em Brasília, dia 20/06/2013. Foto de Alfredo Carneiro
Eu estive nas manifestações em Brasília no dia 20 de junho. Estive próximo do cordão de isolamento na frente do Congresso Nacional e vi com meus próprios olhos – que sentiram os efeitos do gás lacrimogêneo – o grupo de vândalos e saqueadores que estavam lá desde cedo com intenção de depredar, invadir e saquear. Essa comissão de frente de saqueadores era rechaçada pelos 35 mil manifestantes que estavam recuados e gritavam “Sai, filha da puta, não vem aqui acabar com nossa luta”. Na grande mídia, no entanto, o foco é somente nos arruaceiros, em uma clara tentativa de desmoralizar os protestos. Sinceramente (fico até constrangido de escrever isso), se 35 mil pessoas estivessem ali para saquear e invadir, não sobraria nada em pé. A polícia iria conter 35 mil saqueadores em Brasília? Ou 300 mil no Rio de Janeiro? Quem são esses policiais? os 300 de Esparta? Focar a interpretação somente na violência é manipulação. Neste caso específico, tentar interpretar um todo de 35 mil manifestantes de Brasília (ou 300 mil no RJ) focando em uma pequena parte de saqueadores é escolher a parte errada. O que pude ver in loco é que, após afastar os saqueadores do cordão de isolamento com gás, a polícia recebia e conversava com os manifestantes, como pode se ver em uma das fotos deste post.
Através de um pensar coletivo, que ocorre pela interatividade das redes sociais, os protestos se organizam de uma forma incompreensível para os adeptos do paradigma partidário. Eles não conseguem ver as manifestações como o resultado de uma mente coletiva , mas buscam em vão uma “liderança que manipula as massas”. Essa mente coletiva não quer o fim da democracia, nem do livre comércio que proporcionou a tecnologia que a ajudou a nascer, mas antes quer que os políticos façam a sua parte. Por mais que os eventos atuais remetam às velhas lembranças e fantasmas do passado, não é o passado que se faz presente, mas um futuro conectado, interativo e militante, que pensa de forma coletiva e não mais reflete as ideias de um pequeno grupo suspeito.
Voltei então a ser ingênuo, a acreditar que por vezes algumas ideias são avançadas demais para o Brasil. No entanto, mais do que nunca elas precisam ser difundidas, para limpar de vez ideologias obsoletas, lentes distorcidas e velhos esquemas de poder. A democracia se renova, os velhos centros de poder perdem força e o futuro tem um nome: ciberdemocracia e consciência coletiva. Espero estar certo, mas se não estiver, não poderei jamais me condenar por nunca ter tentado entender o meu tempo, com sinceridade e ingenuidade.
Alfredo Carneiro

O texto “O Brasil e a Ciberdemocracia” de Alfredo de Moraes Rêgo Carneiro foi licenciado com uma Licença Creative Commons – Atribuição 3.0 Não Adaptada. Você pode distribuir, reproduzir, adaptar e fazer uso comercial desde que cite o autor.
Amizade on/off
A amizade é uma experiência que engrandece. Aprendemos a nos conhecer e respeitar o outro, exercitamos nossa compreensão e tolerância. Não é exagero afirmar que a amizade é um caminho de auto-conhecimento, algo que nos torna melhores. A amizade virtual, por outro lado, nos priva dessa convivência enriquecedora, pois a comodidade de excluir de nossos contatos aqueles que nos desagradam torna o relacionamento uma coisa instrumental, eletrônica, tal como desligar uma televisão ou trocar de canal. É inquestionável a importância das redes sociais, mesmo porque através dela podemos fazer amizades “reais” , no entanto, ainda não conhecemos os impactos do excesso de instrumentalização nos relacionamentos, principalmente para as novas gerações.
“A gente somos inútil”?

Em 2011 o mundo se impressionou com a Primavera Árabe, onde uma avalanche de pessoas indignadas derrubaram ditadores. No Brasil, mesmo com nossos graves problemas de corrupção, só se consegue reunir milhões de pessoas em eventos como a parada gay.
O ano de 2011 foi muito importante para aqueles que acreditam nas possibilidades da cultura digital. A Primavera Árabe nos mostrou que a sociedade civil pode se organizar e derrubar regimes ditatoriais e a Islândia está escrevendo sua nova constituição consultando seus cidadãos através das mídias sociais. O público está se conscientizando que o mundo virtual pode influenciar o mundo “real” e está usando esse poder para mudar as coisas. Enquanto isso nós, brasileiros, nos concentramos em fazer coisas inúteis na internet.
Nossa cultura digital ainda tem muito o que amadurecer, principalmente no que diz respeito à crítica e ao protesto. Um exemplo foi a campanha “Lula se trate no SUS“, que chegou a ganhar capa de revistas e vários artigos na imprensa. Se temos esse poder para fazer uma ofensa se tornar viral e chegar à imprensa “oficial”, por que não utilizamos esse poder para fazer algo verdadeiramente útil?
Somos fanáticos por novela, futebol e cerveja (ou pelo menos somos condicionados a isso). Utilizamos Twitter para fazer campanhas do tipo “Cala boca Galvão” ou “Lula se trate no SUS”, enviamos milhões de votos para eliminar um participante do Big Brother, mas somos incapazes de fazer campanha para acabar com aberrações como o voto secreto, que manteve no poder pessoas como Jaqueline Roriz, entre outras coisas absurdas que acontecem na política de nosso país.
Essas campanhas mostram que ainda não temos consciência das novas possibilidades, ou não estamos interessados em ter. Somos insatisfeitos e reclamamos de tudo, mas não nos organizamos para realizar protestos ou tentar mudar aquilo que nos deixa indignados. E quando conseguimos organizar uma passeata, é de forma tão tímida que os políticos nem levam em consideração e sentem-se à vontade para continuar a fazer o que fazem melhor: trabalhar em prol de si mesmos. Para piorar, a parada gay de SP reuniu perto de 4 milhões de pessoas, o que mostra que temos muito mais disposição para a diversão do que para a cidadania.
Temos no Brasil uma democracia representativa, ou seja, elegemos políticos que nos representam na defesa de nossos interesses. Todos sabemos que isso não funciona bem no Brasil, e a solução não é mudar o sistema, e sim reformá-lo. Devemos continuar elegendo nossos representantes (no passado lutamos para ter esse direito), no entanto devemos também participar efetivamente da democracia, e não somente de quatro em quatro anos. A novidade é que agora temos vários canais de comunicação para manifestar nossa indignação e fiscalizar nossos representantes.

Mesmo com um flagrante de corrupção filmado e postado no youtube, a deputada Jaqueline Roriz foi inocentada pelos colegas com a argumentação de que o filme foi feito antes de Jaqueline ser eleita. Na verdade, o dinheiro foi dado pelo ex-governador Arruda para ajudar na campanha em troca de apoio após as eleições. As passeatas tímidas em Brasília não assustaram os políticos.
Hoje podemos publicar filmes, textos e imagens livremente. O prefeito disse que fez muita coisa? mostre para o público filmes e fotos das ruas esburacadas e hospitais sem médicos. A deputada foi pega com a “boca na botija” enchendo a bolsa imunda com o nosso dinheiro? foi filmado e postado no youtube? Então por que essa meliante ainda está nos representando? Assim como ocorreu com a Primavera Árabe, devemos utilizar as redes sociais para organizar protestos, e não paradas gays.
Está na hora de agir, de utilizar a tecnologia digital para consolidar no Brasil uma democracia representativa, de deixar a passividade de lado e se conscientizar que temos nas mãos mecanismos para fiscalizar nossos representantes. Devemos voltar nossa atenção para nossos representantes, para fiscalizar e cobrar. Para que isso aconteça, falta apenas que o Brasileiro aprenda a fazer coisas úteis com sua conectividade. É nossa vida que está em jogo, nossos empregos, a educação de nossos filhos, a segurança de nossas ruas e a melhoria de nossas cidades. Um participante do Big Brother não pode ser mais importante do que isso.
Alfredo Carneiro

O texto “A gente somos inútil”? de Alfredo de Moraes Rêgo Carneiro foi licenciado com uma Licença Creative Commons – Atribuição 3.0 Não Adaptada. Você pode distribuir, reproduzir, adaptar e fazer uso comercial desde que cite o autor.
Vídeo sobre a cultura digital no Brasil
Este pequeno documentário fala sobre cultura livre e cultura digital no Brasil. Achei o vídeo um tanto ingênuo e otimista demais. No entanto, alguns entrevistados conseguiram falar com clareza sobre a produção coletiva de conteúdo, além de citar exemplos de protestos na rede que deram resultados positivos.
Digirealejotal from FLi Multimídia on Vimeo.