Archive for the ‘Cultura’ Category
A Industria Cultural de Theodor Adorno e Max Horkheimer
Algumas respostas de minha autoria sobre o texto A Industria Cultural de Theodor Adorno (1903-1969) e Max Horkheimer (1895-1973), ocorridas em um fórum na Universidade Católica de Brasília. Texto fundamental para compreensão da arte e da cultura como ferramenta de dominação. Baixe aqui esse maravilhoso texto que, apesar de escrito em 1947, apresentou de forma brilhante a situação arte no mundo capitalista.
Download: Adorno e Horkheimer (A indústria cultural)
- Qual opinião adorno e horkheimer pretende criticar logo na abertura do texto? qual seria, em resumo, o contra-argumento deles em relação a tal opinião?
- como adorno e horkheimer veem a relação entre todo e partes em uma sociedade marcada pela indústria cultural
Parece claro no texto que essa relação é de uma interligação complexa que, apesar das diferenças aparentes, possuem uma coerência orgânica. As diferenças entre modelos de carros, filmes, a crítica especializada de cinema, os apartamentos “descartáveis” em novíssimas arquiteturas (que dão aos antigos prédios uma aparência de cortiços) são na verdade uma espécie de sistema (um todo) que aparentemente dá às partes uma aparência de independência, individualidade e até originalidade. Aos poucos o surgimento do rádio, televisão e cinema são um contraponto com o telefone. O telefone seria algo quase anárquico, apesar dos autores o chamarem de liberal, pois ainda mantém certa interação humana, enquanto, por exemplo, que o rádio entrega seu conteúdo para uma plateia acrítica e apenas receptora. A relação entre todo e partes aos poucos se torna uma espécie de relacionamento unilateral do sistema (indústria cultural) com as partes, que seriam todos os componentes que fazem parte do sistema, desde os meios de comunicação até os produtos e, finalmente, o “produto final”, as pessoas.
- qual a relação entre o estilo (ponto geral) e o que eles chamam de “verdade negativa” (ponto particular)?
Compreendi que se trata de uma relação antagônica. A obra de arte e o artista devem se submeter a um estilo geral, que se identifica com a reprodutibilidade da indústria cultural. As coisas já estão postas a priori na indústria cultural, e ela chega ao ponto máximo de substituir, nos moldes de Kant, nosso aparelho de conhecimento. O organizador dos dados de nosso aparelho cognitivo se torna a própria indústria cultural. Essa seria a nefasta função do estilo como ponto geral, um nível de dominação profundo e invisível, que dá às pessoas a falsa sensação de independência. Tudo isso estaria claro através de uma observação acurada da cultura e do estilo de nosso tempo.
Sobre a “verdade negativa”, ela seria uma característica dos artistas cujas obras expressam, mesmo dentro de um estilo, uma resistência ao estilo. Na verdade negativa o tema abordado é mais importante que o estilo, e os grandes artistas olham o estilo com desconfiança. A verdade negativa é antes uma crítica ao estilo do que uma conformidade com ele, e os grandes artistas seriam aqueles que perceberam essa normatização imperiosa na arte e usam suas obras para ir de encontro a isso, e, de certa forma, de encontro à indústria cultural enquanto técnica alienante.
Eu arriscaria falar da obra Guernica, que retrata um bombardeio alemão, de Picasso, como um exemplo de verdade negativa. (Ora, olhem o que aconteceu exatamente agora enquanto escrevo este texto: fui fazer uma pesquisa por “painel picasso” e recebi imagens do painel do automóvel Picasso, como que dando razão a Adorno) Prosseguindo: em uma lendária cena onde um oficial alemão pergunta a Picasso se ele havia feito o Guernica, Picasso teria respondido: “não, foram vocês”. Em sua resposta, Picasso enfatizou o tema abordado, não a obra. E seu estilo era diferente e novo, mesmo que dentro do estilo chamado cubismo, que o próprio Picasso inaugurou.
- vejam tal passagem ainda na parte III (p. 63 do texto disponível no fórum), por exemplo:
Os consumidores são os trabalhadores e os empregados, os lavradores e os pequenos burgueses. A produção capitalista os mantém tão bem presos em corpo e alma que eles sucumbem sem resistência ao que Ihes é oferecido. Assim como os dominados sempre levaram mais a sério do que os dominadores a moral que deles recebiam, hoje em dia as massas logradas sucumbem mais facilmente ao mito do sucesso do que os bem-sucedidos. Elas têm os desejos deles. Obstinadamente, insistem na ideologia que as escraviza.
de um modo bem geral, o que quer dizer ideologia, aqui?
A ideia que tenho de ideologia parece estar de acordo com o que está expresso nesse fragmento. A ideologia atravessa, de forma invisível, todo o sistema, como uma dominação que se disfarça na cultura, na religião e até mesmo na filosofia, dando à ideologia uma falsa validade. A ideologia tem sempre uma intenção de dominação, aparentemente uma dominação de massas.
A indústria cultural teria assim uma ideologia implícita ligada ao estilo de vida capitalista. No começo do texto os autores afirmam que a indústria cultural está condicionada pelos economicamente mais poderosos, que divulgam a ideia (ideologia) de que o estilo de vida capitalista (baseado no trabalho e consumo do início até o final do dia do trabalhador) é um estilo desejável e possível para todos, que deve ser perseguido como um fim em si mesmo. No entanto, esse desejo, incutido no dominado pela ideologia, raramente pode ser realizado, uma vez que esse poder econômico deseja que o trabalhador se mantenha nessa grande engrenagem do mundo capitalista.
A ideologia cumpre, no mundo da indústria cultural, o papel de uma cenoura que o coelho persegue mas nunca alcança, pois está presa ao coelho por uma vara, mantendo assim o coelho sempre em busca do impossível. Tal como os trabalhadores do mundo moderno.
- Qual a relação, segundo adorno e horkheimer, entre repetição, diversão e trabalho?
O controle que a indústria cultural exerce sobre as mentes (e os corpos) das pessoas se dá pela diversão; pelo entretenimento. O conteúdo expresso nas obras como cinemas e novelas são menos importantes que a técnica, que hoje chama mais atenção do que a mensagem da obra em si. Talvez por isso filmes com efeitos especiais sejam mais populares que filmes de produção mais barata, que buscam efetuar uma crítica ou denuncia (como os documentários independentes de hoje). “Divertir-se significa estar de acordo”. No mundo da indústria cultural a diversão nada mais é que do que uma fuga da monotonia e repetição do trabalho mecanizado. Acontece que até mesmo a diversão do trabalhador cansado é controlada pela industrialização, que fabrica produtos de diversão justamente para esses momentos de lazer. Tudo é um negócio retroalimentado, e o trabalhador não cessa de produzir e de consumir.
Entrevista com Manuel Castells
Manuel Castells é um Sociólogo espanhol que pesquisa a cultura digital e, assim como o filósofo Pierre Lévy, tem uma visão positiva da cibercultura. Ao contrário do senso comum que afirma que a internet e as novas tecnologias alienam, Castells, afirma que elas integram as pessoas e promovem as grandes mudanças sociais, políticas e econômicas que assistimos hoje, inclusive no Brasil.
Medianeras: uma crítica à sociedade conectada
O filme Medianeiras aborda o problema dos relacionamentos na era digital. Apesar do grande aparato tecnológico que nos uniu, não saímos mais do mesmo lugar. Essa ironia é muito bem trabalhada no filme, que propositalmente tem uma “monotonia preguiçosa”, a mesma monotonia que invade os dias do cidadão urbano. É uma crítica ao nosso comportamento atual, esvaziado de sentido, sem um propósito mais amplo ou profundo. O filme propõe uma solução romântica: o amor. Nesse ponto acredito que o filme tornou-se “água com açúcar”, a despeito da excelente critica à vida urbana e aos relacionamentos pela internet. Mesmo assim o filme é bom, muito simbólico e bem feito.
No entanto, a busca pelo amor pode tornar-se fonte de angústias, pois acaba transformando-se, como tudo nos dias de hoje, em compromisso (ser obrigado a encontrar alguém). Ou simplesmente, caso se encontre o amor, em paliativo para a solidão, um companheiro para a monotonia.
Este esvaziamento de sentido parece fazer parte de nosso cotidiano, recheado de pequenos lutos insignificantes ( lamenta-se a perda do guarda-chuva). O resultado é um comportamento medíocre, que se ressente de pequenas coisas. No final das contas, nossa vida torna-se tão desordenada e irracional quanto o crescimento das cidades.
A modernidade parece apresentar-se muito bem nesse filme, onde nossa vida se integra com as máquinas, mostrando que caímos na armadilha de confundir a ideia mecanicista com o próprio ser humano, retirando nossa profundidade e nos tornando, nós mesmos, máquinas.
O lado negro da tecnologia
A tecnologia é responsável pela criação de dispositivos eficientes que tornam nossa vida mais confortável. Este é o lado bom da tecnologia e isso é inegável. Qualquer um pode constatar isso diariamente quando utiliza os vários tipos de tecnologias que nos cercam: ônibus, carro, motos, celulares, computadores, internet, calculadoras, relógios, etc. No entanto, nosso convívio excessivo com a tecnologia internaliza a ideia de que tudo deve ser um instrumento útil. Esta é a lógica desta época de alta tecnologia, e o lado negro dessa ideia é que as pessoas também estão se tornando dispositivos que devem ser úteis e servir a algum propósito, caso contrário devem ser descartadas.
Um video que estimula a reflexão sobre o avanço da tecnologia
Este vídeo criado pela agência Box1824 retrata as mudanças de paradigma que ocorreram nas últimas décadas, principalmente no trabalho. É um ótimo vídeo para perceber como nossa forma de trabalhar e se relacionar mudou radicalmente com o avanço da tecnologia.
Amizade on/off
A amizade é uma experiência que engrandece. Aprendemos a nos conhecer e respeitar o outro, exercitamos nossa compreensão e tolerância. Não é exagero afirmar que a amizade é um caminho de auto-conhecimento, algo que nos torna melhores. A amizade virtual, por outro lado, nos priva dessa convivência enriquecedora, pois a comodidade de excluir de nossos contatos aqueles que nos desagradam torna o relacionamento uma coisa instrumental, eletrônica, tal como desligar uma televisão ou trocar de canal. É inquestionável a importância das redes sociais, mesmo porque através dela podemos fazer amizades “reais” , no entanto, ainda não conhecemos os impactos do excesso de instrumentalização nos relacionamentos, principalmente para as novas gerações.
A criação da necessidade
A voracidade com que as pessoas consomem tecnologia faz parecer que existe uma necessidade enorme por ela. Será que existe mesmo esta necessidade? ou simplesmente estamos sendo vítimas de modismos e campanhas de marketing? A tecnologia tem um único objetivo: ser eficiente. Uma vez que a tecnologia que você tem lhe atende bem, ela cumpriu o seu objetivo. Mas quando passamos a desejar novas tecnologias mesmo quando não precisamos delas, então esse desejo pode ter sido implantado em nós. Esse é um dos males da cultura digital: a criação de uma necessidade que não existe. E o antídoto para esse problema se chama bom senso.
A evolução dos Hackers
A era digital criou o mito do hacker. O conceito de hacker, desde seu surgimento até os dias de hoje, se modificou de acordo com as interpretações das mídias de massa. Inicialmente associado a nerds anti-sociais e ao crime, o conceito se ampliou e suas classificações aumentaram (phreakers, hackers, crackers, hackers do bem, hackers do mal, etc..). Mais recentemente, devido à atuação do grupo Anonymous, os hackers entraram definitivamente no universo da militância e do protesto. Esta reportagem do Estadão fala da evolução dos hackers na mídia e é um ótimo texto para todos que querem entender melhor a cultura digital.
A internet e os perigos do subjetivismo

Umberto Eco alerta para a falta de critérios e subjetivismo na formação da realidade, e afirma que a internet é um campo propício para isso.
Umberto Eco alertou para o perigo do subjetivismo-individualismo na formação de crenças sobre o mundo em entrevista publicada no livro Entrevistas Sobre o Fim dos Tempos. Segundo ele, a internet seria um campo propício para a formação de opiniões alienantes e perigosas, baseadas em análises superficiais dos fatos. O trecho abaixo, retirado do livro, é um convite à reflexão.
Eu queria lhe dar um exemplo talvez um pouco extremo, mas que me parece esclarecedor. Qual é, no quadro da historiografia contemporânea, a diferença entre um revisionista e um negacionista? O revisionista está de acordo no atacado com o julgamento da coletividade sobre o que se passou, mas pretende corrigir alguns detalhes. Para ele não houve 6 milhões de mortos nos campos de extermínio, mas 5,5 milhões; ou então contesta o fato de ter havido câmaras de gás no campo etc. Existe mesmo uma historiografia revisionista que não diz respeito à Shoah mas a outros acontecimentos, por exemplo a Guerra Civil Espanhola. O revisionista não nega o que sucedeu, nem as responsabilidades de Franco, mas apenas quer avaliar diferentemente o papel dele, sustenta por exemplo que Franco não era fascista mas somente anticomunista… Pode discutir ao infinito, sobre a base de fatos e de critérios que são aceitos pelas duas partes envolvidas.
O negacionista, ao contrário, é aquele que “revisionou” a história da Segunda Guerra Mundial em seu conjunto. Não reconhece o julgamento da coletividade: nega-o categoricamente. Nega a existência das câmaras de gás. Se a coletividade lhe apresenta documentos, ele decide que o modo como ela valida os documentos não é o seu. Segundo ele, ou a coletividade se engana, ou é manipulada. Isto é, ele junta de maneira pessoal todos os elementos de informação que circulam na enciclopédia histórica, deixa de lado alguns, dá mais importância a outros; não segue os critérios coletivos, segue seus próprios critérios. Ora. esta lógica perversa, que é a de uma minoria de fanáticos, poderia um dia se tornar a lógica da Web. Cada um produziria seus próprios critérios para selecionar a informação. É a história à la carte… No dia em que toda norma comum desaparecer porque cada um poderá inventar sua própria leitura dos acontecimentos históricos e científicos, não restará mais nenhuma base comum para escorar nossa aventura coletiva.
Entrevista com Saramago: A tecnologia digital e o mito da caverna
Nesta entrevista José Saramago fez uma comparação entre o mito caverna de Platão e o mundo moderno. Acho que essa comparação tem utilidade, uma vez que nos mostra, através de uma alegoria, como a tecnologia pode nos aprisionar. Estamos frequentemente hipnotizados na frente da televisão e do computador. Tal como os habitantes da caverna, estamos sentados olhando para as sombras na parede e as confundindo com o mundo.