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Analisando o Sangue Latino

Ney Matogrosso Sangue Latino

Uma análise da música Sangue Latino. A arte fala para cada um e não existem interpretações “oficiais”, contudo, a letra cai como luva na história da conquista violenta da América Latina. O autor da música é João Ricardo.

1) Jurei mentiras e sigo sozinho

Durante a conquista espanhola e portuguesa da América Latina, tanto os povos nativos quanto os povos africanos foram obrigados a abandonar suas identidades culturais. Tinham de se converter a um Deus que lhes era estranho, contra suas vontades. Um Deus associado ao conquistador e à violência. Caso não fingissem conversão, seriam torturados. Tiveram então de jurar mentiras.

2) Assumo os pecados

Os povos dominados foram informados que eram pecadores, pagãos, hereges. No entanto, devido à condição de dominados, não poderiam afirmar o contrário. Então, foram obrigados a “assumir” seus “pecados”.

3) Os ventos do norte não movem moinhos

Quem trabalhava eram os escravizados. Os países dominantes viviam da exploração da mão de obra escrava, não “moviam os moinhos” de fato, não faziam o trabalho manual. A coroa portuguesa e espanhola apenas recebiam as riquezas dos enormes saques. “Os ventos do norte” são uma referência aos países do hemisfério norte.

4) E o que me resta é só um gemido, minha vida, meus mortos meus caminhos tortos, meu sangue latino, minh’alma cativa

Os gemidos, as tristezas da escravidão, o sofrimento de abandonar suas riquíssimas tradições “pagãs” em nome de uma religião que eles não entendiam e ninguém estava disposto a explicar, uma vez que o interesse da dominação religiosa sempre foi puramente econômico. Só restou a dor, a violência e o gemido. Os povos escravizados tiveram de seguir caminhos tortos, ver os seus serem mortos. Sua história ancestral foi apagada e suas almas estavam cativas.

5) Rompi tratados, traí os ritos. Quebrei a lança, lancei no espaço. Um grito, um desabafo.

Os povos nativos romperam seus tratados, traíram, por força, sua cultura, seus ritos. Conquistadores espanhóis como Hernán Cortés dizimaram os astecas, derrubando seu império com espadas e tiros. Diante disso os povos originários, com armas primitivas, nada podiam fazer a não ser gritar, se desesperar, jogar sua lança no ar. O mesmo ocorreu na conquista portuguesa. Apesar dos protestos de alguns cristãos como Bartolomeu de Las Casas, a religião dominante representava a violência dos impérios.

6) E o que me importa é não estar vencido

Não mesmo. A prova disso é a riquíssima diversidade cultural e religiosa da América Latina. As religiões africanas, o folclore indígena, a mitologia asteca e maia com seu Deus Sol, tudo isso sobreviveu; a religião dominante não conseguiu de fato suplantá-los, pois é real identidade cultural. O que importa é não estar vencido.

AutorAlfredo Carneiro – Graduado em Filosofia e pós-graduado em Filosofia e Existência pela Universidade Católica de Brasília.