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O Ser como luz e a ética

luz

Ser como luz é um termo utilizado pelo filósofo Emmanuel Lévinas (1906-1995) para ilustrar os graves problemas éticos da filosofia ocidental. O ser como luz ilumina um pequeno âmbito, mas toma este espaço iluminado como o mundo todo, tal como ocorre com uma pequena lâmpada em um quartinho. Além do mundo que ele consegue iluminar está o nada, o não-ser, a escuridão.

O ego cogito de Descartes, que é o fundamento do homem moderno, constitui o mundo a partir do eu, que é semelhante ao ser como luz dos gregos. Tanto o ser quanto o eu são os fundamentos de nosso mundo. Porém, quando a filosofia ou a religião viram ideologia, tornam-se um pensamento totalizador e excludente. A “luz” torna-se minha cultura, minha religião, minha opinião. Aquele limitadíssimo espaço iluminado torna-se a verdade, a “luz da razão”, o único caminho.

Porém, além daquele pequeno espaço, está a totalidade da realidade, as outras culturas e religiões, os outros povos, enfim, um infinito de possibilidades. Por isso o ser como luz é uma aberração. Entretanto, é também uma armadilha do entendimento onde até mesmo as mentes mais brilhantes já caíram.  

Nem mesmo Aristóteles escapou do Ser como luz, e declarou que “só os gregos eram nobres, e para os demais povos a escravidão era coisa justa e proveitosa”. Santo Agostinho acreditava que aqueles que ignoravam Cristo, o único caminho, era “pagão” e “pecador”. Sua metáfora das duas cidades (Cidade de Deus e Cidade dos Homens) é reflexo de um pensamento totalizador como muitos outros da história. Além de minha forma de pensar está o erro. Ginés de Sepúlveda, durante a colonização da América, defendeu que os índios eram “idólatras e pagãos”, e a conquista violentíssima dos povos ameríndios foi reflexo do Ser como luz cristã.

O fato é que o Ser como luz é puro egoísmo, no sentido de que constitui o mundo a partir do eu ou do ego. Entretanto, o próprio Ser como luz não tem capacidade de observar isso, pois diviniza a si mesmo (problema filosófico chamado de divinização do ser). Nesse caso, o representante do ser como luz se acredita absoluto, ou seja, representante de Deus ou dos deuses, conforme a época. Enfim, o Ser como luz não vê a si mesmo.

Aqueles que estão além da luz do ser devem ser convertidos, ou seja, reduzidos ao entendimento limitado para que possam ser então aceitos como dignos, conhecidos e corretos. A isso dá-se o nome de conversão do Outro no Mesmo, o mesmo que o si mesmo. Não existe, no Ser como luz, a possibilidade de ética verdadeira, apenas de conversão e reducionismo.

A ética permite o diálogo de dois seres totalmente distintos sem, contudo, violar a singularidade de cada um. Nesse caso, permito que o outro seja ele mesmo, e o outro permite que eu seja eu mesmo, através de um diálogo onde o “eu sou eu” e “tu és tu”.

Isso não implica que eu esteja certo ou errado, mas apenas que desejo ser respeitado em minhas escolhas, da mesma forma que devo respeitar as outras escolhas, culturas e formas de pensar, e desde que os outros não cometam o erro da totalização do pensamento e pratiquem violência contra mim. Além do Ser como luz está o infinito, mas em nosso mundo cada vez mais egoísta, o Ser como luz torna-se cada vez mais poderoso. E o mundo, que deveria tornar-se maior, torna-se cada vez menor. Do tamanho do egoísmo e do entendimento de cada um.

AutorAlfredo Carneiro – Graduado em Filosofia e pós-graduado em Filosofia e Existência pela Universidade Católica de Brasília.