FILOSOFIA

O Paradoxo da Onipotência

O Argumento da Onipotência

O Paradoxo da Onipotência é um argumento que contesta a onipotência de um ser divino. Surgiu na Era Medieval e foi abordado por Tomás de Aquino (1225-1274). Sua forma popular mais conhecida é: “Pode Deus criar uma pedra que não consegue carregar?”. Caso sim, então não é mais onipotente; caso não, nunca foi onipotente.

Qualquer que seja a resposta, a conclusão ataca um dos pilares das religiões monoteístas: a ideia de que Deus é onipotente, onisciente e onipresente. Tomás de Aquino era representante da Escolástica, filosofia amplamente difundida na Europa entre os séculos IX e XVI que buscava conciliar fé cristã e razão grega —  em especial a aristotélica.

Um dos objetivos da lógica de Aristóteles era identificar erros de linguagem e construir argumentos não contraditórios. Os escolásticos, por sua vez, influenciados por Aristóteles, buscavam adequar fé e razão; pretendiam demonstrar que tanto fé quanto razão são caminhos independentes que levam a Deus.

Por esse motivo a linguagem era preocupação fundamental desse período. Se a linguagem (como expressão racional) tem relação com a verdade e a fé, então os paradoxos (como o Paradoxo da Onipotência) recebiam atenção especial.

Agostinho (354-430), pensador medieval anterior à Escolástica, afirmava que a mera razão humana é incapaz de compreender a fé, mas, a partir da iluminação da fé, a razão também se ilumina (“Credo ut intelligam”, creio para entender).

Agostinho não considerava fé e razão como semelhantes, sendo a fé superior. Para ele não é possível compreender os mistérios da fé através da razão. Talvez, se o Paradoxo da Onipotência tivesse sido apresentado a Agostinho, não receberia a atenção que recebeu de Tomás de Aquino quase mil anos depois.

Variações do Paradoxo da Onipotência


O Paradoxo da Onipotência não se resume ao argumento da pedra. Uma vez que sua lógica seja compreendida, outros paradoxos podem ser criados com o objetivo de limitar a ação de um ser onipotente. Por exemplo:

  1. Um ser onipotente pode ter o poder de tirar seu próprio poder?
  2. Um ser onisciente pode querer não saber algo?
  3. A série de animação Os Simpsons satirizou paradoxo: “Jesus pode esquentar no microondas um burrito tão quente que Ele não conseguisse comer?”

Abaixo está a solução proposta por Tomás de Aquino, a perspectiva de Descartes e um comentário sobre paradoxos e Filosofia da Linguagem.

Tomás de Aquino: Deus é lógico


Para o pensador medieval Tomás de Aquino, Deus é capaz de fazer coisas logicamente possíveis, mas não logicamente impossíveis. Porém, “logicamente possível”, na perspectiva do filósofo, não é a mesma coisa para Deus e para os homens. Deus poderia, por exemplo, ressuscitar os mortos, mas não pode fazer um quadrado redondo, já que essa última opção é ilógica: não existe quadrado redondo.

Isto não significa dizer que Deus “não pode fazer algo”, mas que seria o mesmo que dizer: “Deus pode ressuscitar os mortos sem ressuscitá-los”. Algo ilógico, na verdade, é algo que não existe. Da mesma forma, Deus não pode criar uma pedra que não pode carregar, pois esta opção também não existe. 

René Descartes: Deus é ilógico


Ainda que Descartes não tenha abordado o Paradoxo da Pedra, o filósofo francês refletiu sobre a onipotência divina. Sua perspectiva é considerada simples demais: Deus pode fazer qualquer coisa, inclusive coisas ilógicas. Para Descartes, Deus é substância infinita, enquanto que o homem é substância finita, sendo a lógica apenas uma perspectiva humana.

Se quisesse, Deus poderia criar uma pedra que não pudesse carregar e carregá-la assim mesmo. Dilemas lógicos só se aplicam ao homem. De certa forma, esta perspectiva é semelhante à ideia de Deus em Agostinho, ainda que em Descartes Deus seja substância infinita (o chamado Deus dos filósofos) e em Agostinho, uma questão de fé.

AutorAlfredo Carneiro – Graduado em Filosofia e pós-graduado em Filosofia e Existência pela Universidade Católica de Brasília.