FILOSOFIA

Walter Benjamin e a a atuação na era mercantilista

Walter Benjamin (1892-1940)

Trechos do texto A OBRA DE ARTE NA ERA DA SUA REPRODUTIBILIDADE TÉCNICA de Walter Benjamin, escrito em 1936, sobre as diferenças entre as atuações do teatro e do cinema.

Para o cinema é mais importante que o ator se apresente perante a câmera a si próprio do que perante o público como outrem. O importante é que se representa para um equipamento e, no caso do filme sonoro, para dois. “O ator de cinema, escreve Pirandello, “sente-se no exílio. Exilado não só do palco, mas também da sua própria pessoa: com um mal-estar sombrio sente o inexplicável vazio causado pelo fato de seu corpo se tomar numa manifestação ausente, de se desvanecer e de ser privado da sua realidade, da sua vida, da sua voz e dos sons que emite quando se move, para se transformar numa imagem muda que estremece na tela por um instante para depois desaparecer no silêncio… O pequeno equipamento representará para o público com a sua sombra, e o ator tem que se contentar com a representação perante a máquina. Pode caracterizar-se o mesmo fato da seguinte forma: pela primeira vez -e isso é obra do cinema – o homem vê-se na situação de atuar com a sua totalidade de pessoa viva, mas sem a sua aura. Porque a aura está ligada ao aqui e agora. Dela não existe cópia. A aura que se manifesta em tomo de um Macbeth pode ser separada da que, para um público ao vivo, rodeia o ator que representa aquele personagem. A especificidade do registo em estúdio cinematográfico reside no fato de colocar o equipamento no lugar do público. Assim, a aura que envolve ator tem de desaparecer e, por conseguinte, também a do personagem representado.

Há muito que observadores especializados reconheceram que na representação cinematográfica “quase sempre se obtêm os melhores efeitos, quando se representa o mínimo possível… a mais recente evolução” – admite Arnheim em 1932 –, “considera o ator como um acessório que é escolhido pelas suas características e… se insere no lugar próprio.” A esta ideia está intimamente ligada uma outra. O ator que representa no palco, identifica-se frequentemente com um papel. Ao ator de cinema esta possibilidade é frequentemente recusada. A sua atuação não é, de modo nenhum, um trabalho único, mas sim o resultado de várias intervenções. Para além de considerações fortuitas como a renda do estúdio, a disponibilidade de figurantes, cenários, etc. Trata-se de necessidades elementares da maquinaria que dispersam a representação do ator numa série de episódios que é preciso depois montar. Trata-se, principalmente, da iluminação cuja instalação requer, para a apresentação de acontecimento que, na tela, aparece como uma cena única se desenvolve rapidamente, a realização de uma série de registos que, no estúdio, consoante as circunstâncias, pode prolongar-se por várias horas; sem mencionar os casos cuja montagem é mais evidente. Assim, se um ator tem de saltar por uma janela, filmam-no a saltar no estúdio, com recurso a um andaime, mas a cena seguinte, da fuga, eventualmente será filmada semanas mais tarde em exteriores. Aliás, é muito fácil conceber casos ainda mais paradoxais. Pode pedir-se ao ator que, depois de baterem à porta, faça um movimento brusco, assustado. Talvez esta atuação não tenha correspondido à desejada. O realizador pode recorrer a um expediente: oportunamente, quando o ator volta ao estúdio, pode, sem que ele o espere, disparar um tiro. O susto do filmado neste momento, pode ser montado no filme.

A estranheza do ator perante o equipamento é essencialmente do mesmo tipo da estranheza que se sente perante a própria imagem refletida no espelho. Mas agora, a imagem é separável da pessoa, é transportável. E para onde é transportada? Para diante do público. O ator de cinema nunca deixa de ter consciência deste facto. O ator de cinema, quando está perante a câmara, sabe que em última instância está ligado ao público: ao público dos receptores, que constituem o mercado. Este mercado, no qual o ator empenha não só a sua força de trabalho, mas também todo o seu ser, no momento em que efetua um determinado desempenho, é-lhe tão acessível como qualquer produto feito numa fábrica. O cinema reage ao aniquilar da aura, com uma construção artística da “personality” fora do estúdio. O culto da “estrela”, promovido pelo capital cinematográfico, conserva a magia da personalidade que, há muito, se reduz à magia pútrida do seu carácter mercantil.