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Taoismo: A Fonte do Bosque de Pessegueiros Floridos

Taoismo - A Fonte do Bosque de Pessegueiros Floridos

A Fonte do Bosque de Pessegueiros Floridos é um conto do poeta chinês Tao Yuanming (365–427) inspirado na obra de Lao-Tzu, um dos grandes mestres do taoismo. Este conto reflete a influência de Lao-Tzu na literatura, na religiosidade e na cultura chinesas.

Várias ilustrações sobre essa história decoram um grande corredor do Palácio de Verão de Pequim. Mais abaixo você irá encontrar uma de suas versões mais conhecidas, retirada do livro Tao-te King de Lao-tzu —  versão traduzida e comentada de Richard Wilhelm — e também uma animação chinesa sobre ela.

Contudo, para apreciar melhor a leitura, é necessário compreender um pouco sobre o Tao e a não-ação, conceitos fundamentais do taoismo. Ainda que seja impossível uma abordagem completa, uma pequena introdução poderá ser útil.

O Tao e a não-ação: as bases do taoismo


A Lenda do Bosque de Pessegueiros Floridos

Qualquer tentativa de falar sobre o Tao conduz a uma ideia errada, pois ele mesmo é incompreensível — conforme insiste Lao-Tzu. Entretanto, ele pode ser entendido como um “caminho” que leva à harmonia. E a não-ação é a disposição de espírito que leva ao Tao.

O sábio que obtém o Tao poderá ver a raiz de todas as coisas, e “nenhum tigre conseguirá cravar suas garras”; todas as criaturas o amam e ele não deseja nada para si mesmo, mas, apesar disso, tudo possui. No governo, quando reina o Tao, as pessoas são tranquilas e as barrigas cheias. As colheitas são fartas e os dias pacíficos.

Por outro lado, quando se perde o Tao, as pessoas tornam-se vaidosas; os sábios ficam medíocres e os governantes corruptos. A religião torna-se moralista, os ladrões infestam as estradas e o povo fica ressentido. As colheitas são ruins e a fome é frequente. Em todo lugar há conflitos. Toda naturalidade desaparece, dando lugar a comportamentos dissimulados.

Paradoxalmente — e aqui surge o misterioso e difícil conceito de não-ação do taoismo — aquele que busca o caminho do Tao acaba se perdendo, pois o caminho surge apenas para aquele que não está preocupado em encontrá-lo.  Preocupar-se, ficar ansioso ou criar expectativas é, na verdade, oferecer resistência ao fluxo da vida. “O Tao é uma eterna não-ação, onde nada fica sem ser feito”, escreveu Lao-Tzu.

não-ação, longe de ser “estar parado” ou desculpa para a preguiça, como muitos entendem erroneamente, significa agir de forma natural, dentro de uma disposição interior de leveza, não resistência e aceitação.

É como uma fé sem orações, onde se abandona a expectativa e, mesmo assim, se trabalha para obter o que precisa. Existem no taoismo meditações e práticas que visam o desenvolvimento da não-ação, ainda que, como o conceito sugere, isso não seja realmente necessário.

Somente assim as forças poderosas e misteriosas do Tao se manifestam no mundo, fazendo surgir os gênios, os sábios e os grandes governantes. E os desejos, estes já esquecidos, se realizam. E desta forma, talvez, as pessoas encontrem a fonte do bosque de pessegueiros floridos.

A Fonte do Bosque de Pessegueiros Floridos – um conto taoista


A fonte do bosque de pessequeiros floridos

Vivia outrora em Wuling, nos tempos de Tai Yüan, um pescador. Havia ali um rio. Navegando-o na direção da nascente, o pescador sabia se havia ido muito longe ou não quando deparou com um bosque todo iluminado por flores de pessegueiro, que ladeavam as margens do rio, numa extensão de umas boas centenas e passos.

Não havia outras árvores; só um belo capim cheiroso e fresco, onde se amontoavam as pétalas das flores dos pessegueiros. O pescador se admirou muito disso e foi ainda mais longe, porque desejava saber onde era o fim do bosque.

Na orla deste, porém, havia uma montanha de onde brotava um rio; e havia também uma estreita paisagem para o interior da montanha, que parecia envolta em luz. Penetrou nela com dificuldade, mas, poucos passos adiante, a passagem se tornou ampla e luminosa e uma paisagem se estendia ao longe.

Cabanas e casas muito limpas levantavam-se no meio de terras cultivadas entre belos espelhos de água rasa. Caminhos se entrecruzavam e havia todos os tipos de bambus e muitas amoreiras. De uma aldeia para a outra os cães e as galinhas se agitavam.

Homens e mulheres semeavam os campos; crianças e anciões viviam satisfeitos e felizes em seus afazeres. Admiravam-se ao ver o pescador e o interrogaram. Depois que ele falou, convidaram-no a permanecer com eles e ofereceram-lhe vinho e prepararam galinhas para ele comer.

Na aldeia, todos ouviram falar disso e vieram para fazer perguntas, e eles próprios contaram que outrora, nos tempos agitados de Tsin Chïn Huang, seus antepassados haviam emigrado para lá e que, desde então, ninguém mais havia saído e, por isso, nada sabiam a respeito dos homens de fora.

Perguntaram quem era o rei, mas não conheciam a dinastia dos Han, e menos ainda a dos We e dos Tsin. O pescador deu-lhes notícias de tudo quanto sabia e eles eram todo ouvidos.

Desse modo, passaram-se vários dias, o pescador sendo tratado como convidado e hóspede e muito bem alimentado, pois a comida ela farta.

Depois, na hora da despedida, os habitantes da aldeia acharam que não valeria a pena que o pescador contasse sobre eles às pessoas de fora.

O pescador saiu, tomou o barco para voltar para casa; porém, antes, gravou bem na memória todos os pontos de referência à sua volta.

Na capital do distrito, contou tudo honestamente ao mandarim e este mandou mensageiros à procura do que ele havia descrito. Estes, no entanto, se perderam e não acharam o caminho.

Conta-se que Liu Tsï Ki, sábio originário do sul, cheio de ânimo, reiniciou a busca. Antes, porém, de ver o sucesso de sua jornada, adoeceu e morreu. Desde então ninguém mais tem perguntado pelo caminho.

A Fonte do Bosque de Pessegueiros Floridos – animação chinesa


Referência Bibliográfica


  1. Tao–te King, de Lao Tzu. Versão de Richard Wilhelm. São Paulo: Editora Pensamento, 1995. Observação: A Fonte do Bosque de Pessegueiros Floridos foi incluído por Wilhelm para ilustrar a filosofia de Lao-Tzu e a essência do taoismo.

AutorAlfredo Carneiro – Graduado em Filosofia e pós-graduado em Filosofia e Existência pela Universidade Católica de Brasília.

Sugestão de leitura do netmundi.org sobre taoismo


  1. Na não-ação, nada fica sem ser feito
  2. Frases de Lao-Tzu

Sugestões de leitura


  1. Os cegos e o elefante – um paralelo com René Descartes
  2. Os monges e a mulher no rio
  3. Pensamentos de René Descartes (1596-1650) – vídeo
  4. Pensamentos de Descartes (imagens)
  5. O Pensador e o Demonstrador – sobre as crenças pessoais
  6. A água da vida – uma metáfora sobre o egoísmo
  7. O dilema do porco-espinho, de Arthur Schopenhauer
  8. Nossa casa está em chamas
  9. O Cadarço – a loucura segundo Charles Bukowski
  10. O sofrimento e o bem estar segundo Solzhenitsyn
  11. O Sonho dos Ratos, de Rubem Alves
  12. Ozymandias: um poema sobre o poder e o tempo
  13. Os três filtros de Sócrates: o bom uso da razão
  14. Fedro de Platão: O misterioso daemon de Sócrates e o amor platônico
  15. As rotinas criativas dos grandes pensadores

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