FILOSOFIA

A Indústria Cultural: cultura como produto e alienação

A Indústria Cultural de Adorno e Horkheimer

“A Indústria Cultural: esclarecimento como mistificação das massas, é um capítulo do livro Dialética do Esclarecimento (1944) de Theodor Adorno (1903-1969) e Max Horkheimer (1895-1973). É uma obra importante para a compreensão da arte e da cultura como ferramenta de dominação e alienação das massas, dentro da perspectiva da Escola de Frankfurt. Ainda é considerada uma crítica atual à forma como a produção industrial influenciou a cultura contemporânea. A produção artística, no sentido dado pelos autores, compreende moda, música, programas de TV, arquitetura, cinema e várias outras manifestações culturais que adquiriram a mesma característica descartável, massificada e padronizada dos produtos industriais.

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A Indústria Cultural: cultura como produto e ilusão de liberdade


Inicialmente, Adorno e Horkheimer apresentam a ideia aceita pelos sociólogos de que o fim do feudalismo e o avanço tecnológico da revolução industrial mergulhou o ocidente no caos cultural. Os autores discordam dessa ideia, uma vez que a padronização da produção cultural e artística da atualidade apresenta uma estrutura corporativa. Possui uma face normatizadora gerida por clichês, cálculos e estatísticas.

A produção cultural passou a seguir o mesmo modelo de produção em massa das indústrias. Por isso o nome “indústria cultural”, pois mostra como a cultura tornou-se, além de produto industrial, peça de uma engrenagem que estimula o consumo constante. Entretanto, essa engrenagem foi concebida para ser invisível e passar a impressão de liberdade individual e livre escolha, sem que os indivíduos percebam que estão mergulhados no poder absoluto do capital.

A indústria cultural está tão profundamente arraigada nas grandes sociedades de consumo, que o público não percebe a harmonia que se esconde nas crises, conflitos e problemas aparentes. As diferenças e a concorrência entre modelos de carros, roupas, estilos, filmes e novas arquiteturas transmitem a ideia de independência e imprevisibilidade do mercado, porém, não existem imprevistos para as corporações internacionais. A ilusão da livre escolha esconde o fato de que todas as opções já foram previamente selecionadas, conforme argumentam os autores:

“Cada qual deve se comportar, como que espontaneamente, em conformidade com seu nível, previamente identificado por certas características, e escolher a categoria dos produtos de massa fabricados para seu tipo. Os consumidores são reduzidos a um simples material estatístico, distribuídos nas pesquisas em grupos de rendimentos, marcados por zonas vermelhas, verdes e azuis.”

“Para o consumidor, não há nada mais a escolher que não tenha sido selecionado no esquema de produção. A canções de sucesso, os astros e as novelas ressurgem ciclicamente, porém, o conteúdo só varia na aparência.”

Desta forma, até o gosto pessoal é induzido, padronizado e homogeneizado. O termo “produto cultural”, muito utilizado atualmente, mostra que, de fato, a cultura contemporânea passou a seguir o mesmo esquema das fábricas. Existe a argumentação de que as músicas, roupas, filmes, apartamentos e programas de TV são criados para atender às necessidades do público, quando, na verdade, a própria necessidade é criada pela indústria cultural, que imita o esquema de produção dos donos do poder, que são as grandes corporações que precisam que as massas trabalhem, consumam e se entretenham com seus produtos. A cultura tornou-se um sombrio e desalentador prosseguimento dos escritórios e das fábricas.

Novas tendências de arquitetura, por exemplo, forçam os indivíduos a sentirem-se defasados, incentivando as massas a migrarem para pequenos apartamentos nas cidades, próximos aos grandes centros de produção e consumo. Desta forma, arte e cultura servem como ferramentas para atender não as necessidades do público, mas as necessidades do capitalismo de produzir e consumir constantemente em larga escala. Essa é uma das argumentações mais contundentes de Adorno e Horkheimer:

“Os projetos de urbanização que, em pequenos apartamentos higiênicos, destinam-se a perpetuar o indivíduo como se ele fosse independente, submetem-no ainda mais profundamente a seu adversário, o poder absoluto do capital. Do mesmo modo que os moradores são enviados para os centros, como produtores e consumidores, em busca de trabalho e diversão, assim também as células habitacionais cristalizam-se em complexos massivos e bem organizados.”

“Os edifícios monumentais e luminosos que se elevam por toda parte são os sinais do engenhoso planejamento das corporações internacionais, cujos monumentos são os sombrios prédios residenciais e comerciais de nossas desoladoras cidades.”

Poder econômico, entretenimento e alienação


A indústria cultural define o modo como os artistas produzem e a forma como os indivíduos consomem a cultura, servindo assim à manutenção do pensamento dominante, induzido por filmes e músicas, de que as pessoas são livres para lutar por independência, sucesso, riqueza e amor.

A rebeldia e o romantismo do rock, por exemplo, entendidos inicialmente como resistência ao sistema, passou a ser planejado e padronizado, tornando-se produto de consumo de massa. Aquela juventude subversiva que pretendia fazer revoluções foi devidamente absorvida pela indústria cultural e serviu para a criação de um novo contingente de consumidores para novos e milionários produtos culturais que nunca afetaram o sistema. O mesmo ocorre com qualquer estilo musical, que surge espontaneamente na cultura e, gradativamente, se torna produto de massa descartável.

Mesmo as críticas feitas ao capitalismo atendem perfeitamente aos objetivos da indústria cultural, pois transmitem a impressão de liberdade de pensamento. Todavia, a falsa sensação de liberdade é mero componente do mecanismo. As oposições políticas também são um claro exemplo de ilusão de liberdade nas grandes sociedades de consumo. Mesmo que uma ou outra ideologia política se torne dominante, o poder econômico não é afetado, pelo contrário, sempre se favorece, independente do poder político vigente, que também está submetido ao poder econômico. A isso se aplica até mesmo a tal “liberdade religiosa”.

A obra de arte e o artista devem se submeter ao estilo geral, que se assemelha com a reprodução em larga escala das indústrias. Trata-se de um nível profundo de alienação das massas, que está condicionada a lutar obstinadamente pelo mito do sucesso e da liberdade. As variedades de estilos de vida, gosto musical e grupos políticos ou religiosos são postas como um cardápio para os indivíduos se sentirem livres para escolher, entretanto, só podem escolher o que já foi previamente escolhido e atende aos propósitos da indústria cultural.

A indústria cultural teria assim uma ideologia implícita, determinada pelos economicamente mais poderosos, que divulgam a ideia de que o capitalismo é desejável e deve ser perseguido como um fim em si mesmo. A obsessão da sociedade pelo avanço tecnológico e consumo constante é algo induzido pelo poder econômico.

“O que não se diz é que o avanço da tecnologia é o avanço do poder que os economicamente mais fortes exercem sobre a sociedade. A racionalidade técnica hoje é a racionalidade da própria dominação. Ela é a obsessão da sociedade alienada de si mesma.”

O entretenimento tem papel fundamental no controle e a manutenção do sistema. A diversão torna-se fuga da repetição, do estresse e da monotonia do trabalho. Contudo, principalmente a diversão é controlada pela indústria cultural, que produz filmes, músicas e programas de TV para esses momentos de lazer.

Esses produtos culturais, como foi dito, são baseados em estatísticas e clichês, e difundem a ideia de amor, sucesso e liberdade. Assim as pessoas são induzidas a trabalhar, casar, comprar apartamentos, carros, participar de certos grupos sociais, terem filhos, comprar brinquedos, devorar fast-food e consumir novamente os “produtos culturais”. É um sistema retroalimentado em que o trabalhador nunca cessa de produzir, consumir e se alienar mesmo em seu momento de descanso.

AutorAlfredo Carneiro – Graduado em Filosofia e pós-graduado em Filosofia e Existência pela Universidade Católica de Brasília.


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