FILOSOFIA

Como a ciência se estabelece e evolui seu processo?

Filosofia da ciência

Resumo: A obra de Thomas Kuhn, A Estrutura das Revoluções Científicas, é uma das obras mais influentes da filosofia da ciência. Kuhn contribuiu de forma significativa para o debate sobre o progresso científico ao apresentar uma perspectiva baseada na história da ciência e na mudança de paradigmas científicos, indicando que o processo de evolução da ciência seria não-cumulativo e intercalado de revoluções científicas que estabelecem novos paradigmas nas comunidades científicas e descartam paradigmas estabelecidos por décadas ou mesmo centenas de anos.

Palavras-chave: Thomas Kuhn, Revoluções Científicas, Filosofia da Ciência, Filosofia

1. Introdução ao pensamento de Thomas Kuhn e sua perspectiva sobre a natureza da ciência.

A obra de Thomas Kuhn, “A Estrutura das Revoluções Científicas”, é considerada um dos marcos da filosofia da ciência. Kuhn, que já era conhecido por suas investigações sobre a história da ciência, apresentou em sua obra uma nova perspectiva baseada em fatos históricos, apresentando a ciência como um conhecimento que é orientado não pelas contribuições individuais de grandes cientistas, mas pela formação não-cumulativa de conhecimentos, crenças e técnicas que ele denominou de paradigmas. Kuhn argumenta que a ciência é um processo orientado por conhecimentos compartilhados pelas comunidades científicas. Longe de apresentar os paradigmas como um problema, Kuhn afirma que a ciência madura não seria possível sem essas crenças compartilhadas.

A pesquisa eficaz raramente começa antes que uma comunidade científica pense ter adquirido respostas seguras para perguntas como as seguintes: Quais são as entidades fundamentais que compõem o universo? Como interagem as entidades umas com as outras e com os sentidos? (KUHN, 2011, pg. 23)

A mudança do geocentrismo para o heliocentrismo é um dos maiores exemplos de mudança de paradigma da ciência, pois acreditar que o sol gira em torno da terra deixou de ser conhecimento válido, apesar de ter sido considerado verdadeiro por centenas de anos.
A mudança do geocentrismo para o heliocentrismo é um dos maiores exemplos de mudança de paradigma da ciência, pois acreditar que o sol gira em torno da terra deixou de ser conhecimento válido, apesar de ter sido considerado verdadeiro por centenas de anos.

No entanto, no processo de desenvolvimento das ciências, costumam surgir anomalias que podem afetar a hegemonia do paradigma de uma comunidade. As anomalias representam descobertas que ameaçam as crenças compartilhadas e, por isso mesmo, são recebidas com resistência e tendem a ser ignoradas. Quando as  anomalias não podem mais ser ignoradas, ocorrem as revoluções científicas, que são períodos em que um paradigma científico cai em desuso em detrimento de um novo paradigma. Kuhn utiliza, como exemplo, os episódios mais marcantes da história da ciência para demonstrar a validade de seus argumentos e considera que esses episódios extraordinários são alterações de compromissos que constituem as revoluções científicas.

Assim, para Kuhn, a ciência não é um processo cumulativo de conhecimentos e descobertas, mas antes um processo formado pela constante criação e superação de paradigmas. Os paradigmas superados não constituem mais conhecimentos válidos para a ciência e são, portanto, descartados. A ciência normal – assim Kuhn denomina a ciência estabelecida em um paradigma – desorienta-se seguidamente. Um exemplo que demonstra essa característica não cumulativa é que não acreditamos mais que o Sol gira em torno da Terra. Esse paradigma não é mais válido e não pode orientar pesquisas científicas.

Kuhn propõe, embasado nas pesquisas históricas da ciência, que o progresso do conhecimento científico tem como característica principal a formação de paradigmas (período pré-paradigmático) estabelecimento de crenças compartilhadas (períodos de ciência normal), seguidos de momentos de crise e superação dessas crenças (ciência extraordinária e revolução científica) e o estabelecimento de novas crenças (nova ciência normal), e assim sucessivamente. Essa perspectiva contraria a ideia de que a ciência seria um processo cumulativo de descobertas realizadas principalmente quase que exclusivamente por grandes cientistas.

2. O conceito de paradigma e sua importância para o pensamento de Thomas Kuhn

A ciência não é um processo cumulativo de conhecimentos e descobertas, mas antes um processo formado pela constante criação e superação de paradigmas. Os paradigmas superados não constituem mais conhecimentos válidos para a ciência e são, portanto, descartados.
A ciência não é um processo cumulativo de conhecimentos e descobertas, mas antes um processo formado pela constante criação e superação de paradigmas. Os paradigmas superados não constituem mais conhecimentos válidos para a ciência e são, portanto, descartados.

O conceito de paradigma atravessa praticamente toda a obra de Kuhn, uaama vez que ele considera esse conceito como o fator estruturante das comunidades científicas e também o principal responsável pelas revoluções científicas que ocorrem de tempos em tempos. Para Kuhn uma ciência só consegue fazer pesquisas avançadas (ou esotéricas, utilizando as palavras de Kuhn) quando possui um paradigma firmemente estabelecido. O uso de paradigmas é, portanto, um indicativo do amadurecimento de uma determinada ciência. Ele surge na literatura especializada e na formação dos cientistas, que o adotam como perspectiva para a pesquisa científica.

No intervalo, entretanto, durante o qual o paradigma foi bem sucedido, os membros da profissão terão resolvido problemas que mal poderiam ter imaginado e cuja solução nunca teriam empreendido sem o comprometimento com o paradigma. (KUHN, 2011, pg. 45)

Os paradigmas são também compromissos de grupo que organizam a comunidade científica, permitindo a comunicação de suas pesquisas, através da convenção de termos e de uma linguagem especializada. Sem essas crenças compartilhadas e convenções estabelecidas, o trabalho coletivo da ciência não seria possível.

Um paradigma é aquilo que os membros de uma comunidade partilham e, inversamente, uma comunidade científica consiste em homens que partilham um paradigma (KUHN, 2011, pg. 221)

3. A importância da história para a filosofia da ciência

É através da pesquisa histórica que Kuhn empreende suas investigações sobre a ciência. Uma das principais fontes de pesquisa de Kuhn são as obras clássicas da ciência e os manuais que orientam as comunidades científicas. Kuhn argumenta que essa literatura especializada é influenciada pelas crenças das comunidades científicas da época quem que foram concebidas.

O objetivo de tais livros é inevitavelmente persuasivo e pedagógico; um conceito de ciência deles haurido terá tantas probabilidades de assemelhar-se ao empreendimento que os produziu como a imagem de uma cultura nacional obtida através de um folheto turístico […] (KUHN, 2011, pg. 19)

Os paradigmas são também compromissos de grupo que organizam a comunidade científica, permitindo a comunicação de suas pesquisas, através da convenção de termos e de uma linguagem especializada. Sem essas crenças compartilhadas e convenções estabelecidas, o trabalho coletivo da ciência não seria possível.
Os paradigmas são também compromissos de grupo que organizam a comunidade científica, permitindo a comunicação de suas pesquisas, através da convenção de termos e de uma linguagem especializada. Sem essas crenças compartilhadas e convenções estabelecidas, o trabalho coletivo da ciência não seria possível.

Através da pesquisa realizada nestas obras Kuhn consegue apreender conceitos de ciência que são bastante diversos entre si.  Cada comunidade, em uma época específica, transmite através da sua literatura especializada o paradigma que orientou a pesquisa da época. A história da ciência registra a evolução dos conceitos científicos e o surgimento dos obstáculos que inibiram a evolução desses conceitos.

No estudo da literatura especializada do passado podemos também observar o surgimento das anomalias – registradas a princípio como observações de menor valor – até o surgimento das resistências e tentativas de enquadrar a anomalia no paradigma vigente.  Para Kuhn, a história da ciência mostra que a ciência não se desenvolve através de da acumulação de descobertas individuais, mas de compromissos coletivos que se organizam através de crenças compartilhadas. A literatura que surge após a queda de um conjunto de crenças tende a rotular as crenças anteriores como obsoletas e, em alguns casos, as classificam como mitos. Sobre essa característica que surge na história da ciência Kuhn faz uma interessante observação:

Se as crenças obsoletas devem ser chamadas de mitos, então os mitos podem ser produzidos pelos mesmos tipos de métodos e mantidos pelas mesmas razões que hoje conduzem ao conhecimento científico. (KUHN, 2011, pg. 19)

A importância da história para a filosofia da ciência surge da elucidação dos conceitos filosóficos que a pesquisa histórica proporciona. A filosofia da ciência se ocupa com a investigação sobre a natureza do conhecimento científico. Neste aspecto, a história da ciência registra as concepções filosóficas e metafísicas que orientam e que orientaram as ciências, fornecendo imprescindível material de pesquisa para o filósofo da ciência.

4. Ciência normal e ciência extraordinária

A Revolução Científica é definida por Kuhn como o estabelecimento efetivo de um novo paradigma em uma determinada comunidade científica. Após um período de crise e ciência extraordinária, o paradigma anterior não mais se sustenta e um novo paradigma se firma. Com a mudança de paradigma, muda também a concepção de mundo e, não raramente, os cientistas passam a observar os mesmos objetos de pesquisa de uma forma diferente. Não sem exagero, podemos afirmar que os cientistas passam a reagir de forma diferente a um mundo diferente.
A Revolução Científica é definida por Kuhn como o estabelecimento efetivo de um novo paradigma em uma determinada comunidade científica. Após um período de crise e ciência extraordinária, o paradigma anterior não mais se sustenta e um novo paradigma se firma. Com a mudança de paradigma, muda também a concepção de mundo e, não raramente, os cientistas passam a observar os mesmos objetos de pesquisa de uma forma diferente. Não sem exagero, podemos afirmar que os cientistas passam a reagir de forma diferente a um mundo diferente.

Para Kuhn, a ciência normal é a ciência estabelecida por um paradigma, sem o qual as pesquisas mais avançadas dessa ciência não seriam possíveis. No entanto, ao mesmo tempo em que a aceitação de modelos e padrões permite investigações mais esotéricas, o paradigma também exclui as anomalias que não se encaixam nesses padrões. A ciência normal, para Kuhn, é essencialmente uma resolução de quebra-cabeças, onde o cientista procura adaptar a realidade ao padrão estabelecido. Assim como ocorre em um jogo, as regras já estão definidas, não sendo possível acrescentar novas regras ou novas peças, pois isso iria fazer o jogo perder o sentido. No período em que uma ciência normal se estabelece – quando um padrão ou paradigma de pesquisa se estabelece – os cientistas irão desenvolver pesquisas avançadas que tem basicamente o objetivo de acabamento, que seria um esforço para encaixar a natureza no padrão estabelecido. Esta seria então a principal tarefa da ciência normal.

Ao concentrar sua atenção em uma faixa de problemas relativamente esotéricos, o paradigma força o cientista a investigar alguma parcela da natureza com uma profundidade e de uma maneira que de outro modo seria inimaginável. (KUHN, 2011, pg. 45)

Apesar disso, muitas vezes a realidade não consegue se encaixar no padrão de pesquisa, gerando as anomalias. Essas anomalias vão tentar ser encaixadas no paradigma da ciência normal ou descartadas, caso não seja possível adequá-las ao paradigma atual. No entanto, quando as anomalias não podem mais ser ignoradas, a ciência normal se torna insustentável e entra em crise. Surge então a ciência extraordinária.

A ciência extraordinária é o período de instabilidade que antecede as revoluções científicas. Nesse período uma crise se instala e ocorre uma proliferação de novas teorias que denunciam o fracasso do paradigma em vigor. Por outro lado, a ciência normal tenta, nesses períodos de crise, encaixar as anomalias no atual paradigma. Algumas vezes os pesquisadores obtém sucesso na tarefa de encaixar essas anomalias, mas, quando isso não acontece, surgem novos paradigmas que irão tentar superar o paradigma anterior. A revolução científica representa o estabelecimento de um novo paradigma que surge durante a ciência extraordinária. Para Kuhn, estes períodos de ciência extraordinária representam também um momento para avaliar a capacidade dos cientistas para enfrentar a mudança conceitual que defenderam por tantos anos. A crise conceitual é “tensão essencial” implícita na pesquisa científica.

[…] indubitavelmente alguns homens foram levados a abandonar a ciência devido à sua inabilidade para tolerar crises. Tal como os artistas, os cientistas criadores precisam, em determinadas ocasiões, ser capazes de viver em um mundo desordenado. (KUHN, 2011, pg. 109)

5. Revolução Científica

A Revolução Científica é definida por Kuhn como o estabelecimento efetivo de um novo paradigma em uma determinada comunidade científica. Após um período de crise e ciência extraordinária, o paradigma anterior não mais se sustenta e um novo paradigma se firma. Com a mudança de paradigma, muda também a concepção de mundo e, não raramente, os cientistas passam a observar os mesmos objetos de pesquisa de uma forma diferente. Não sem exagero, podemos afirmar que os cientistas passam a reagir de forma diferente a um mundo diferente.

[…] durante as revoluções, os cientistas vêem coisas novas e diferentes quando, empregando instrumentos familiares, olham para os mesmos pontos já examinados anteriormente. É como se a comunidade profissional tivesse sido subitamente transportada para um novo planeta, onde objetos familiares são vistos sob uma luz diferente e a eles se apregam objetos desconhecidos. (KUHN, 2011, pg. 147)

Isso implica também em uma reeducação do cientista, que teve sua formação baseada na literatura especializada em um paradigma anterior.  O cientista deve aprender a ver de uma nova forma objetos de pesquisa com os quais já estava familiarizado.

Entre os exemplos mais utilizados por Kuhn está a passagem do geocentrismo para o heliocentrismo. A crença estabelecida de que o sol girava em torno da terra foi alterada após as descobertas associadas aos nomes Nicolau Copérnico e Galileu Galilei. O estabelecimento do heliocentrismo permitiu que os cientistas olhassem para o mesmo céu e o mesmo sol de forma diferente. Esta mudança de teoria alterou radicalmente a visão da comunidade científica, que antes acreditava que a terra estivesse fixa no universo e percebeu que, na verdade, a terra está girando em torno do sol. Posteriormente este novo paradigma irá permitir que Isaac Newton desenvolvesse a lei da gravitação universal e os fundamentos da mecânica clássica.

O historiador da ciência que examinar as pesquisas do passado a partir da perspectiva da historiografia contemporânea pode sentir-se tentado a proclamar que, quando mudam os paradigmas, muda com eles o próprio mundo.  (KUHN, 2011, pg. 147)

Kuhn defende que o processo de evolução da ciência não é um processo cumulativo, como pensam muitos, mas sofre interrupções e alterações conceituais que, na grande maioria das vezes, descarta conceitos estabelecidos por décadas ou mesmo centenas de anos. Nas revoluções científicas os cientistas devem aprender a conviver em um mundo completamente novo, uma vez  que sua concepção de mundo, adquirida em sua formação científica, se tornou impraticável. As revoluções são também consideradas por Kuhn um grande teste para os cientistas.

6. Conclusão

Uma das contribuições de Thomas Kuhn para a filosofia da ciência é o seu historicismo. Após suas investigações sobre as revoluções científicas e suas contribuições baseadas na história da ciência, muitos outros filósofos buscaram na história recursos para embasar suas ideias. Imre Lakatos, outro importante filósofo da ciência, também se utilizou da história da ciência para desenvolver seu conceito de Programa de Pesquisa, que juntamente com o conceito de Paradigma de Kuhn promoveram um rico debate sobre a filosofia da ciência.

O conceito de Paradigma de Kuhn, juntamente com seu historicismo, é outra importante contribuição deste filósofo. Este conceito atravessa toda a obra de Kuhn e é ricamente explorado para elucidar as mudanças de percepção que ocorreram ao longo da história da ciência. Mais do que apenas falar sobre as mudanças de perspectiva dos cientistas, Kuhn demonstra a importância do paradigma para o avanço da ciência. Ele tenta nos dizer que o paradigma é o conceito estruturante da ciência madura e é também o responsável pelas revoluções científicas. O paradigma, por sua vez, está expresso na literatura especializada que forma o cientista criador, que o assimila e posteriormente tenta ajustar a natureza ao modelo estabelecido que lhe foi transmitido em sua formação.

Kuhn afirma que o processo de evolução da ciência é uma constante formação, estabelecimento e queda de paradigmas que, apesar disso, contribuem para que a ciência consiga efetivar pesquisas cada vez mais avançadas (ou esotéricas, utilizando a terminologia de Kuhn). A queda de um paradigma não invalida necessariamente todas as contribuições que foram conseguidas, mas as contribuições do passado sofrem uma mudança de perspectiva, permitindo avanços cada vez mais significativos. Outro aspecto defendido por Kuhn é que o processo de evolução da ciência é não-cumulativo, ou seja, muitas vezes o paradigma que se estabelece é incompatível com o anterior. Assim, o paradigma superado é total ou parcialmente substituído pelo novo paradigma.

A obra de Kuhn promoveu intensos debates entre os filósofos da ciência e entre aqueles interessados em outras áreas da filosofia, como a epistemologia. Entre as obras que abordam a filosofia da ciência, as Revoluções Científicas figuram entre as mais influentes e significativas.

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

Kuhn, Thomas S. A Estrutura Das Revoluções Científicas. Editora Perspectiva, 2011.

AutorAlfredo Carneiro – Graduado em Filosofia e pós-graduado em Filosofia e Existência pela Universidade Católica de Brasília.